Brasil continua distante das metas de saneamento básico
ago 17, 2016

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No dia 1º de agosto o presidente interino Michel Temer sancionou a lei no 13.329, que institui o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento do Saneamento Básico. De acordo com a medida, empresas prestadoras de serviços de saneamento básico que aumentarem seus investimentos na área receberão em troca a concessão de créditos na cobrança de tributos.

O Regime, previsto para vigorar até 2026, irá integrar o Plano Nacional de Saneamento Básico, criado em 2013 com o objetivo de reduzir até 2015 a proporção de habitantes sem acesso à água e melhorar até 2020 as condições de vida de 100 milhões de pessoas que vivem em bairros degradados.

As metas foram estabelecidas com base nos Objetivos do Milênio, propostos em 2000 pela Organização das Nações Unidas e já foram parcialmente cumpridas. De acordo com dados do IBGE, 98% da população Brasileira possui acesso à água potável, entretanto, esse número cai para 84% nas áreas rurais, além de 17% não possuírem fornecimento encanado.

Por outro lado, o Plano também determina a universalização das estruturas de saneamento em todo o país até 2033, o que dificilmente irá acontecer. Uma pesquisa sobre saneamento nos 100 maiores municípios do país realizada pelo Instituto Trata Brasil constatou que mais de 35 milhões de brasileiros ainda não têm acesso à água tratada em suas casas e que 49,8% deles não possuem coleta de esgoto.

Para que isso ocorra seria necessário um investimento de 15 bilhões de reais por ano, enquanto o Estado vem aplicando nove bilhões de reais. Ainda de acordo com o instituto, o país ocupa a posição 112 entre 200 países avaliados por sua infraestrutura de saneamento básico.

Segundo Ana Lucia Britto, coordenadora do Laboratório de Estudo de águas Urbanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, isso ocorre em parte devido à crise financeira, que reduziu as contribuições do FGTS, principal fonte financiadora do setor. Entretanto, ela acredita que o problema maior se deve à gestão.

Ana Lucia Britto – “É todo um problema de má aplicação de recursos, de obras que não continuam, de obras que não são fiscalizadas, dessa coisa que foi aplicada em 2011 que se chama regime diferencial de contratação, onde você não tem um projeto básico da obra. Você contrata e a mesma empresa faz o projeto, a obra e fiscaliza. Eu acho que tem que ter mais recurso público, e para ter mais recurso você precisa reconhecer o saneamento como investimento e não como gasto por um lado e por outro você tem que fazer com que esse recurso seja investido de forma efetiva, ou seja, com que ele dê resultados”.

A falta de um serviço adequado de saneamento básico causa impactos diretos na saúde da população. Além dos recentes surtos de doenças propagadas pelo mosquito Aedes aegypti, outras moléstias como hepatite, disenteria, conjuntivite e esquistossomose também estão relacionadas com a falta de uma política que promova serviços adequados de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, destinação de resíduos sólidos e escoamento de águas da chuva.

Ainda assim, a importância do saneamento está além da prevenção de doenças. O secretário de saúde da cidade de Campinas e professor de Clínica médica da Unicamp, Cármino Antônio de Souza enfatiza os benefícios que uma boa política de saneamento traz para a população.

Cármino Antônio de Souza – “O saneamento básico é crítico. O tratamento de água não é fundamental só para impedir diarreia. É fundamental também para impedir cárie, já que você faz, por exemplo, a fluoretação da água. O esgotamento da água é uma coisa fundamental não só para preservar o rio. Você pode fazer reciclagem de água, uso em áreas escolhidas, onde você pode fazer a água de reuso e isso economiza demais na utilização da água potável para consumo humano. Enfim, há toda uma política inteligente”.

Apesar dos problemas, Ana Lucia Britto reconhece que houve um avanço muito grande no setor de saneamento a partir do final dos anos 2000, resultado da criação do Ministério das Cidades e do estabelecimento de leis e programas que sistematizaram esses serviços no país. Entretanto, ela acredita que falta pensar o saneamento como uma política que garanta à população direitos de cidadania.

Ana Lucia Britto – “Eu acho que saneamento deveria ser pensado não só como política pública, mas como uma política social. Assim como todo mundo tem direito ao SUS (Sistema de Único de Saúde) e todo mundo tem direito à educação pública, nem todo mundo, se você não pagar a sua conta de água e esgoto, você não terá água e esgoto na sua casa. Então você tem uma outra lógica de pensar o saneamento, que é uma mercadoria, um serviço”.

Matéria e locução de Paula Penedo.

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