#151 – Dicionários temáticos: significados além das palavras
set 28, 2022

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Neste episódio a Fabíola Junqueira e a Fernanda Capuvilla falam sobre dicionários temáticos na divulgação de ciência, promoção de debates e estímulo ao conhecimento.
Elas conversaram com o professor José Luiz Ratton, pesquisador do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco. Ele também é coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Crime, Violência e Políticas Públicas de Segurança da mesma universidade, organizador do “Dicionário dos negacionismos no Brasil”, publicado pela CEPE Editora neste ano de 2022, com a professora Sônia Corrêa, ativista e pesquisadora nos temas de gênero, sexualidade, saúde e direitos humanos e o professor Rodrigo Borba, docente do Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, organizadores do dicionário “Termos Ambíguos do Debate Político Atual” realizado com apoio do Observatório de Sexualidade e Política (SPW) e Programa Interdisciplinar de Pós-graduação em Linguística Aplicada da UFRJ, também publicado em 2022.
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Roteiro

Fabíola Junqueira: Olá, eu sou Fabíola Junqueira e junto com a Fernanda Capuvilla te convido a nos acompanhar neste episódio do Oxigênio que vai falar sobre dois dicionários brasileiros, bem diferentes daqueles que a gente já conhece. Vamos falar de dois dicionários que nos ajudam a entender o momento histórico e político que estamos vivendo atualmente. São dicionários temáticos, ambos publicados neste ano de 2022. Será que estes dicionários fazem parte da divulgação científica brasileira? Será que eles realmente contribuem e estimulam o conhecimento e a promoção de debates?

José Luiz Ratton: Você pode traduzir em termos menos herméticos aquilo que a linguagem de cada ciência ou disciplina do âmbito acadêmico científico discute em outro plano. É muito importante abrir esse espaço para mostrar para as pessoas. Abrir a caixa da ciência e mostrar as ferramentas, as engrenagens, como é que funciona e como é que isso pode, pode (em destaque a condição de possibilidade), não necessariamente, melhorar a vida das pessoas. De todas as pessoas, não só de algumas.

Fabíola: Este que você acabou de ouvir é o professor José Luiz Ratton, pesquisador do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco. Ele também é coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Crime, Violência e Políticas Públicas de Segurança da mesma universidade.

José Luiz Ratton: Eu e o Zé, o …

Fabíola: O Zé, a quem ele se refere, é o professor José Leon Szwako, pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Além de outros temas, ele pesquisa sobre as formas de mobilização e oposição às ciências como contramovimentos científicos, negacionismos, ceticismos, anti-intelectualismo e as formas acadêmicas de organização em defesa das ciências. Juntos eles organizaram o “Dicionário dos negacionismos no Brasil”, publicado pela CEPE Editora em abril deste ano, 2022.

José Luiz Ratton: … nós vínhamos discutindo o tema, digamos, da anticiência, dos negacionismos, nos espaços acadêmicos da área de ciências sociais. Tanto em conversas informais quanto em mesas redondas, seminários e grupos de trabalho científicos, acadêmicos. O que acontece é que o Zé tem a ideia da gente organizar uma espécie de dicionário anticiência. É uma pauta que me interessava também e ele sabia. Eu proponho para ele, faço uma contraproposta, vamos discutir anticiência e vamos discutir os negacionismos, porque como há uma conexão entre posições anticiência e os negacionismos contemporâneos, que tal se a gente fizer uma questão mais ampla que abrange o fenômeno a partir de diversos olhares?

Fabíola: O Dicionário dos Negacionismos no Brasil, que eles organizaram, contou com a colaboração de 112 especialistas que abordaram, em linguagem acessível, mais de 100 termos relacionados aos negacionismos identificados atualmente no Brasil.

Fernanda: Olá, Eu sou Fernanda Capuvilla. O outro dicionário que vamos falar é o dicionário “Termos Ambíguos do Debate Político Atual: Pequeno dicionário que você não sabia que existia”.

Sônia Corrêa e Rodrigo Borba: a resposta imediata foi muito bacana. Foi muito legal. E agora a gente tá trabalhando com outra equipe, uma nova equipe, eu e Sônia pra escrever mais quatro, são quatro, cinco verbetes novos até o final do ano. A gente tá monitorando o que esse povo tá fazendo.

Fernanda: Esses que você ouviu são a Sônia Corrêa e o Rodrigo Borba. Ambos são responsáveis pela organização e atualizações periódicas do dicionário “Termos Ambíguos do Debate Político Atual”. Este material tem acesso livre, gratuito e acompanha o movimento dinâmico dos debates. O link de acesso está disponível na página do Oxigênio Podcast.

[vinheta Oxigênio]

Fabíola: A vivência da pandemia nos anos de 2020 e 2021 deflagrou diversas dúvidas e inseguranças em relação à ciência e à comunicação da ciência no âmbito das questões sanitárias. De repente surgiram, médicos infectologistas, biólogos, sanitaristas e diversos outros profissionais especialistas em diversas áreas comunicando sobre uma situação preocupante que resultou em mais de 680 mil mortos no Brasil, quase 6 milhões e meio de mortes no mundo.

Fernanda: Mas o negacionismo não surgiu junto com o Coronavírus. É um fenômeno antigo, presente em sociedades autoritárias que valorizam certezas absolutas e que não abrem espaço para o debate transparente. Uma sociedade avessa a questionamentos e refutações acadêmicas. Faz parte do fazer científico, do desenvolvimento da ciência, a prática de compartilhar informações, expor métodos e viabilizar discussões.

Fabíola: Os negacionismos fazem parte de um fenômeno complexo que deve ser desconstruído a partir de diversos aspectos. Nos últimos anos vimos médicos antivacina, por exemplo. O termo pode parecer um conceito teórico, a princípio, mas não é. Os negacionismos nos afetam diariamente e nos colocam diante de muitos riscos.

José Luiz Ratton: Então, a gente vai conectando e montando esse mosaico dos negacionismos. Qual o impacto disso? Nós temos vários tipos de impacto. O primeiro, por exemplo, negar a pandemia, transformá-la numa gripezinha, negar a eficácia da vacina, tem implicações para construção de políticas públicas.
Essa negação da ciência como uma fala de conhecimento que orienta a tomada decisão
no plano das políticas públicas tem consequências graves.
A negação da máscara, esse processo de disseminação de informações sobre a máscara, a suposta ineficiência da máscara. Então, tem impacto concreto na vida das pessoas. A negação do aquecimento global tem impacto sobre medidas que permitem atenuar e garantem condições de sustentabilidade pro Brasil e para a humanidade. A negação da questão indígena tem implicações para sobrevivência desses grupos, dessas populações indígenas. A negação da tortura da ditadura militar impede, parcialmente ao menos, que as gerações novas entendam o que aconteceu no país, a partir das contribuições da história enquanto ciência e das Ciências Sociais. E pessoas que não viveram processos autoritários não possam, a partir do conhecimento produzido que começa a ser negado, entender as possibilidades de que isso volte a acontecer. E aí nós temos, digamos assim… a consequência de negar a história significa que a memória social e coletiva, ao ser negada, impede o aprendizado coletivo da sociedade, o aprendizado que, uma forma de conhecimento que são as Ciências Sociais e a História, podem trazer, mostrando as diferentes faces do que aconteceu. Mas aconteceu.

Fabíola: Na nossa conversa, Ratton deixa claro que qualquer tipo de negacionismo tem implicações danosas para o funcionamento da democracia e que a recusa negacionista é uma recusa à ciência como fala de conhecimento. Conhecimento este que pode ser generalizado, pode ser utilizado para o bem de todos. A ciência é um bem comum. Ao mesmo tempo, os negacionismos funcionam como uma recusa à democracia, à possibilidade de tolerância que a democracia traz, pelo menos potencialmente em seu interior.

José Luiz Ratton: A ciência traz um conhecimento que de alguma forma desloca as pessoas das posições em que estavam. Esse deslocamento, quando é apropriado pelos movimentos sociais, ou quando ele é protagonizado pelos movimentos sociais e a ciência incorpora a
forma de estudo, ele exige que a sociedade construa uma resposta diferente: políticas de cotas, políticas de equidade de gênero, políticas de defesa das populações indígenas, políticas públicas de aprendizado social que evitem que a tortura se repita, uma defesa democracia mostrando que a democracia com todas as suas imperfeições é o espaço que
permite posições diferentes convivendo, o que é muito distinto dos períodos autoritários, que produzem perseguição, que produzem uma visão de sociedade que não é inclusiva. Então a gente vai articulando e mostrando como é que disseminar esse tipo de conhecimento e mostrar a formação desses negacionismos enquanto processos coletivos, muitas vezes intencionais: lobbies econômicos, lobbies políticos. Mas muitas vezes não intencionais, pessoas que foram deslocadas daquela “segurança”, digamos assim, ontológica, daquela percepção de mundo tradicional. Então os negacionismos são uma forma, digamos assim, antimoderna de contra modernidade ou contra as modernidades possíveis que a ciência e a democracia trazem juntas.

Fernanda: Para Ratton os negacionismos não podem ser combatidos apenas com expansão e divulgação da informação, com comunicação pública ou com medidas legais. Apesar de serem ações importantes e que devem acontecer. O combate aos negacionismos não é possível somente com a educação formal.

José Luiz Ratton: Uma parte dos negacionistas é escolarizada. Absolutamente escolarizada. Elas estão buscando proteção. Há médicos antivacina, geógrafos anti a ideia de aquecimento global, advogados anti-estado de direito… Efetivamente esse processo de negação carrega outras dimensões que não aquelas cognitivas apenas, mas são morais. Morais e políticas e aí a gente precisa criar formas de dialogar com setores que estejam dispostos a dialogar. Por isso que a democracia é um espaço importante para isso. Fora da democracia não tem a possibilidade de diálogo.

Fabíola: E foi seguindo por este caminho da viabilização do diálogo que perguntei ao professor sobre o processo de decisão e escolha do formato da publicação. Por que um dicionário?

José Luiz Ratton: A gente começou a pensar nas pessoas e também a pensar que tipo de publicação. Essa ideia de uma publicação que não fosse só para iniciados, que não fosse apenas para convertidos, que ela pudesse dialogar com as pessoas que têm dúvidas, com as pessoas que estão num campo negacionista em relação a certas questões, mas não estão em outros e que pudesse abrir um diálogo mais geral. Coisa que a ciência e as ciências já fazem há algum tempo, mas que era importante também como um documento de memória do tempo que a gente tá vivendo agora no Brasil, ao mesmo tempo um registro que pudesse ser um registro tanto para quem vem depois, mas um registro deste momento que está sendo vivido a partir de especialistas sobre o tema, mas sem uma linguagem hermética especializada.

Fernanda: Para Ratton também é importante compreender e diferenciar as bases a partir de onde surgem os discursos negacionistas do interlocutor. Ele menciona que existem lobbies econômicos que querem nos dizer que agrotóxico não produz doença. Isso é intencional. Existem lobbies políticos que querem negar que a polícia no Brasil não é violenta e isso também é intencional. Mas, por outro lado, há um tecido social muito amplo de pessoas que estão reagindo de uma forma não intencional a uma crise sistêmica.

José Luiz Ratton: Eu me irrito enormemente com um negador da eficiência da vacina, da eficácia da vacina. Mas uma coisa é um presidente da república negar a vacina, esse precisa ser combatido.
Ele precisa inclusive sofrer medidas legais, sofrer oposição política. Outra coisa é o cidadão comum, escolarizado ou não, que está sujeito a, digamos assim, a um conjunto de dúvidas, incertezas que leva a buscar refúgio em grupos onde tudo é certeza. Então, eu conversei com algumas pessoas: “mas você foi vacinado contra sarampo, poliomielite, difteria, caxumba, você vacinou seus filhos, inclusive para entrarem na escola. Por que que só essa vacina…” Então é preciso começar a conversar com as dúvidas das pessoas, mas abrir o espaço de diálogo e não de, digamos assim, de uma certa superioridade moral daqueles que não são negacionistas. Se a gente adotar essa possibilidade de uma superioridade moral a gente não abre espaço para incorporação desse conhecimento

Fabíola: Para além do dicionário, é intenção dos autores que a discussão tenha a possibilidade de outros formatos associados. Que possam atingir outros públicos, que tenha a possibilidade de ser usado em escolas, que tenha a possibilidade de ser usado com grupos que não necessariamente terão leitura como o elemento primordial, mas sim em formato audiovisual ou um podcast. É importante a utilização de diversas linguagens para educação científica de crianças ou de adolescentes com formatos adequados. Recentemente voltei a conversar com o professor sobre a repercussão do Dicionário desde o lançamento em Abril de 2022.

José Luiz Ratton: A repercussão do lançamento do Dicionário dos Negacioninos no Brasil tem sido muito positiva. Nós fomos convidados para vários eventos sobre forma de Lives na internet, em várias capitais brasileiras, além do lançamento que a editora CEPE organizou em São Paulo, Rio, Belo Horizonte e no Recife, onde foi o lançamento nacional. Estão programados os outros lançamentos por demanda, inclusive, dos autores que estão espalhados, e autoras que estão espalhadas pelo Brasil todo. Em Natal, em João Pessoa, em Brasília, agora no Paraná e em outros estados.Temos notícias de pessoas que têm encontrado nas livrarias o dicionário e têm entrado em contato com a gente. Houve um debate também na Fiocruz, um debate muito importante. Enfim, o Dicionário tem tido um impacto bacana. Nas quatro primeiras semanas posteriores ao lançamento, o Dicionário esteve muito bem posicionado em termos de vendas na categoria, Jornalismo e Jornalismo Científico ou Jornalismo e História da Amazon. Que são categorias criadas pela própria Amazon, que não são muito precisas, mas que tem a ver com divulgação científica. E em uma categoria também sobre história da América do Sul. Enfim, o Dicionário a gente tem encontrado retorno muito interessante. Algumas professoras e professores, pesquisadores, pesquisadoras, universitários têm usado o dicionário com a graduação nas universidades. Enfim, o Dicionário teve e tem o papel, tem tido um papel interessante nesse debate sobre os negacionismo do Brasil, que é tanto um problema público relevante quanto é um problema que a universidade precisa se debruçar para poder pensar de forma mais qualificada, mas que possa ser comunicado também o impacto dos negacionismos do país e fora do país.

Fernanda: Outro material nesse formato, que também surgiu a partir de inquietações de pesquisadores, e que tem tido boa repercussão, é o Dicionário de Termos Ambíguos do Debate Político Atual. Aqui a professora Sônia Corrêa conta como ficou perplexa ao assistir um debate político nas eleições municipais do Rio de Janeiro em 2020 e como essa provocação foi uma das motivações para criar o dicionário.

Sônia Corrêa: E como a gente diz na introdução do dicionário, uma cena que foi particularmente mobilizadora para mim, foi a partir daí que eu comecei a conversar com o Rodrigo sobre essa possibilidade do dicionário, foi assistir nas eleições municipais de 2020, no Rio de Janeiro, candidatas e candidatos à prefeitura sendo acusados pelo Crivella, que era candidato à reeleição, de serem ideólogos de gênero ou de que iriam propagar gênero, ideologia de gênero na educação, sem saber como responder. Totalmente desconcertados com a pergunta, tentando driblar a pergunta, mudando de assunto, claramente porque não sabiam o que fazer para responder, uma resposta razoável e perdendo a oportunidade. Porque num debate eleitoral tem muita gente assistindo, aquilo é um momento… os debates eleitorais são sempre pedagógicos, né? Tem sempre uma dimensão pedagógica. Perdendo a oportunidade de explicar para um público mais amplo o que é esse dispositivo, qual é o estratagema desse dispositivo, porque que ele é um fantasma, porque ele é um espantalho, porque ele não tem consistência.

Fabíola: Esse dispositivo fantasma ou estratagema que a professora Sônia menciona é a forma distorcida como alguns termos têm sido usados pela direita conservadora já há alguns anos. Em 2011 e 2012, por exemplo, não era tão claro como estes termos, descontextualizados e com significados distorcidos, vinham sendo cultivados e disseminados amplamente, gerando muita desinformação, fomentando o ódio e estimulando a formação de grupos inimigos. Acabando com a possibilidade de diálogo que é a base da democracia.

Rodrigo Borba: A grande maioria desses termos, cristofobia, ideologia de gênero, feminismo, do jeito que é usado pelo campo conservador, são usados de forma muito estratégica justamente para desinformar sobre o que as coisas são. Sobre o que é gênero, sobre o que é feminismo, sobre o que que é ideologia. E um efeito disso é justamente uma divisão entre Nós e Eles, né? Ou seja, cria-se, inventa-se inimigos. Então os gays se tornam inimigos dos cristãos. As feministas se tornam inimigas das próprias mulheres, como mostra lá no verbete. Então, uma caricatura que o uso desses termos faz, alguns uma criatura negativa, dos grupos dos com os quais eles não se identificam, por exemplo, feministas. E uma caricatura também positiva deles mesmos. Porque se você ver o verbete patriotismo, o que está descrito ali é uma mudança muito interessante de patriotismo. O sentido, se você for lá no Aurélio, é ‘aquele que ama pátria’, né? É claro, não é o único sentido, mas é uma palavra muito antiga, o verbete resgata lá dos gregos clássicos e mostra como é que ele foi se ressignificando até produzir essa figura que ameaça o STF, que carrega armas para cima e para baixo. Esse que é o patriota hoje em dia para essas pessoas, né? Então a desinformação, esses usos muito específicos desses termos que já são, a grande maioria, já são bem estabelecidas no léxico, alguns mais recentes, mas a grande maioria já bem estabelecidas, no léxico. O brasileiro médio conhece, já ouviu falar de ideologia, já ouviu falar de gênero, já ouviu falar de feminismo, já ouviu falar de patriotismo. O brasileiro médio conhece essas palavras, mas a forma que elas são usadas, e tem um truque ali semântico que muda, que inverte, que vira do lado avesso. Começa a significar uma coisa completamente diferente e isso também pegou o campo progressista de surpresa. Quando as pessoas começaram a ouvir ideologia de gênero ninguém deu bola. Lá em 2011, 2012, ninguém deu bola, “isso é bobagem”, “isso não existe”.

Fernanda: Os verbetes apresentados no dicionário são: Ideologia, Politicamente Correto, Marxismo Cultural, Racismo Reverso, Cristofobia, Patriotismo, Ideologia de gênero e Feminismo. Valeria um episódio inteiro para tratar de cada um deles. A equipe de autores é formada por pesquisadores experientes que se relacionam há anos com cada um dos temas, tanto do ponto de vista teórico e acadêmico, como do ponto de vista de atuação social.

Sônia Corrêa: Eu durante muitos e muitos anos venho trabalhando com temas de gênero e sexualidade, nunca estritamente no campo acadêmico. Eu sou uma pessoa híbrida, que tem inserções acadêmicas, mas eu tenho atuado ao longo da minha vida sobretudo no campo da ação política, no campo da sociedade civil, das organizações não governamentais. E por causa dessa trajetória, desde sempre eu tive, ao longo dessa trajetória, muitos momentos em que fizemos coletivamente esforços de tradução de temas complexos. Num certo sentido o esforço do dicionário está inserido num percurso mais longo da minha trajetória como feminista, das pedagogias feministas. Eu me lembro, por exemplo, que fizemos muitas coisas nos anos 80 nos anos 90 de tradução de conceitos complexos. Como direitos reprodutivos, como as mulheres são tratadas na filosofia… Uma série de exercícios de tradução de ideias complexas para uma audiência mais ampla, com menor acesso à informação e a esse tipo de produção de conhecimento.

Fernanda: Assim como a Sônia, outros pesquisadores se dedicaram a estudar conceitos sociais e políticos. Mas, parece que esse tanto de conhecimento acadêmico nem sempre chega à maior parte da população interessada e afetada pela discussão dos temas, especialmente sobre o renascimento da direita e suas consequências na sociedade.

Rodrigo Borba: Há muito conhecimento produzido sobre esse renascimento da direita e sobre esses vocabulários, ideologia de gênero, marxismo cultural, ideologia, muito conhecimento acumulado sobre isso. O que estava nos incomodando, também de base, era o fato desse conhecimento não circular para as pessoas que são mais diretamente atingidas por esses ataques. A grande maioria desses termos, desses verbetes, estão descrevendo esse processo de fagocitação, ou seja, pega um termo que todo mundo já conhece e o vira do avesso para significar outras coisas.

Fabíola: A professora usa o termo fagocitação para explicar como um determinado conceito acaba sendo compreendido de outra forma, totalmente diferente de seu significado original.

Sônia Corrêa: Capturar uma terminologia que é usada pelo campo progressista, esvaziar o seu sentido, fazer dela um hospedeiro. Retira a sua substância e coloca outra substância dentro. Então é um pouco foi essa a ideia a gente começou a conversar. Eu tinha certeza que não dava para fazer isso sem o aporte da linguística.

Fernanda: E foi daí que surgiu a ideia de criar um material consistente, confiável, com linguagem narrativa e acessível ao grande público. Utilizando, inclusive, imagens em cartoons e vídeos para facilitar a compreensão.

Rodrigo Borba: Então quando ela chegou com essa ideia, ela tinha tido acesso ao dicionário francês, que é muito complexo, é uma terminologia muito complexa. Daí a gente chegou a ideia “então vamos fazer um dicionário para para alunos de graduação”. E mais ainda, “por que que a gente não faz um outro dicionário para alunos de Ensino Médio?”. Bem, nisso eu convidei uma colega minha aqui da UFRJ que é especialista em tradução e que se interessa muito por linguagem acessível a Janine Pimentel e ela disse “claro que eu aceito eu me interesso muito, porque é um projeto de divulgação Científica”.
Todos os verbetes, embora tenham uma linguagem bastante acessível no dicionário dos termos ambíguos, na versão para graduação, uma linguagem mais jornalística e na outra versão, na versão jovem, uma linguagem muito mais jovem de fato.

Fernanda: A intenção é seduzir o leitor e aproximar o público destes termos, informar, estimular o diálogo e o debate.

Rodrigo Borba: Além dos textos, os dois dicionários têm cartoons, que servem de resumo do texto. Seria uma tradução intersemiótica. Ou seja, a ideia que tá no texto desenhada pela Carol Ito. E estão os cartoons nos dois dicionários, nas duas versões. E além disso há um videozinho que é ainda mais resumido. Um videozinho de dois minutos, menos de 2 minutos. A ideia principal do texto ainda tá mais resumida, ou seja, tem um rico material pedagógico aí. Além de disseminação, ou seja, vamos atingir o maior número de pessoas possível, serve de um material pedagógico muito rico, tem muita coisa que se pode fazer em sala de aula, por exemplo.

Fabíola: Uma das dificuldades do processo complexo de elaboração e pesquisa do dicionário foi encontrar a origem de alguns termos e acompanhar como ele foi se transformando ao longo do tempo. O professor Rodrigo nos deu um exemplo, sobre o Racismo Reverso, que não existe da forma como tem sido usado atualmente.

Rodrigo Borba: Cada pessoa da equipe ficou responsável por um termo, a gente fazia a pesquisa, muita pesquisa envolvida, muitas leituras e à medida que novos termos foram aparecendo, outras pessoas foram entrando. Esse é o caso de Racismo Reverso. Por exemplo. Em vários desses foi muito difícil, por exemplo, achar a origem desses termos. E às vezes as origens eram muito surpreendentes e um bom exemplo é do Racismo Reverso, que foi um termo cunhado pelo movimento negro dos Estados Unidos. Não para falar do que hoje se chama Racismo Reverso, mas para falar de outra coisa. Era um movimento político em que negros, a comunidade negra se reuniu para votar em políticos negros. Isso chegou hoje significando uma coisa completamente diferente, seria racismo contra pessoas brancas, que é um negócio que não existe.

Fernanda: Para finalizar, os professores destacam mais uma vez a característica intencional de transformação e manipulação dos termos. É preciso conhecer a teoria para transformá-la e divulgá-la de forma distorcida em benefício de interesses próprios. É a construção de uma mentira, não é uma simples informação errada, sem intencionalidade, que surgiu a partir da falta de conhecimento de quem a divulga.

Sônia Corrêa: Aqui não. Você tem uma desinformação elaborada de maneira muito sofisticada,
porque recorre a uma terminologia consagrada. Consagrada na produção científica, recorre a argumentos científicos para desqualificar essa mesma produção científica.

Rodrigo Borba: E um discurso muito esquemático também. Eles simplificam coisas que são muito complexas, mas não simplificam porque não entendem. Simplificam justamente porque entendem bem ao ponto de usar de forma muito estratégica, ao ponto de saber selecionar os trechos dos textos que vão ser mais polêmicos.
Eles selecionam coisas muito específicas, tiram de contexto e dizem “olhem o que as feministas querem”. E do outro lado também. A ideia de ser patriota, por exemplo, de ser cidadão de bem, a coisa acontece dos dois lados, só que de forma inversa. Ou seja, para produzir uma identidade boa para eles, “nós não temos ideologia”, “nós nos preocupamos com as mulheres”, “nós nos preocupamos com a família”, “quem tem ideologia esse povo aí que pensa em ideologia de gênero”.

Fabíola: Esse episódio foi escrito e apresentado por mim, Fabíola Junqueira e pela Fernanda Capuvilla. A revisão do roteiro foi feita pela coordenadora do Oxigênio, a Simone Pallone, do Labjor/Unicamp. Os trabalhos técnicos são do Octávio Augusto Fonseca, da rádio Unicamp.

Fernanda: Você também pode nos acompanhar nas redes sociais, estamos no Instagram, no Facebook e no Twitter, basta procurar por “Oxigênio Podcast”.

Fabíola: Você pode acessar o roteiro deste episódio e as referências mencionadas hoje no nosso site. Deixe seus comentários em nossas redes sociais e obrigada por ouvir. Até o próximo episódio!

Referências:

Dicionário dos Negacionismos

Dicionário dos Termos Ambíguos

 

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