#140 – Por trás da conta de luz: compra e venda de energia
mar 25, 2022

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Você sabe quais são os principais desafios do aumento inevitável do consumo de energia elétrica? O que é e como funciona o mercado de energia brasileiro? Qual a relação entre crescimento econômico, consumo de energia elétrica e custo energético?
O Thiago Ribeiro e a Fernanda Capuvilla entrevistaram a Alessandra Amaral, meteorologista que atua há mais de 10 anos, no ramo da energia elétrica no Brasil pra contar pra gente como funciona esse mercado, que inclui não apenas a produção ou geração de energia, mas também a sua compra e venda.

Thiago Ribeiro: Dois mil e duzentos e cinquenta e quatro (2.254)  quilowatt-hora (kWh). De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética, que presta serviços ao Ministério de Minas e Energia, esse foi o consumo médio de eletricidade por cada brasileiro em 2019. Desde o início do século, esse consumo cresceu cerca de 70%.

Fernanda Capuvilla: E aí eu pergunto: você sabe quais são os principais desafios do aumento inevitável do consumo de energia elétrica? O que é e como funciona o mercado de energia brasileiro? Qual a relação entre crescimento econômico, consumo de energia elétrica e custo energético?

Thiago: Olá! Meu nome é Thiago

Fernanda: E eu sou Fernanda e hoje, vamos juntos, clarear essas e outras questões sobre a matriz elétrica brasileira e ouvir um pouco sobre como funciona esse mercado.

[vinheta Oxigênio]

Thiago: Antes de tudo, é importante destacar que a matriz energética é a soma de toda a energia disponibilizada para ser transformada, distribuída e consumida nos processos produtivos. Em outras palavras, a matriz energética representa a quantidade de energia oferecida por um país ou por uma região. Essa energia pode ter origem em fontes renováveis como a biomassa, a lenha e a hidráulica, ou origem em fontes não renováveis como derivados de petróleo e gás natural.

Fernanda: Sobre esse assunto, deixamos um convite para você ouvir o episódio #85 OxiLab: Nexus – Energia, que fala sobre a crescente escassez desses recursos e a necessidade de buscar fontes alternativas e mais sustentáveis.

Thiago: Mas, voltando para o tema do episódio, a matriz elétrica representa uma parte da matriz energética de um país.  É o conjunto de fontes energéticas destinadas à geração de energia elétrica. Por exemplo, no Brasil, cerca de 64% do total de energia elétrica gerada vem de usinas hidrelétricas. O restante vem, principalmente, de usinas termelétricas, eólicas e solares.

Fernanda: E não é para menos, o Brasil é o país que detém a maior reserva de água doce do planeta. Cerca de 12% de toda a água doce disponível está aqui!

Thiago: De fato! Isso explica, ao menos em parte, o porquê do nosso país ter investido tanto na geração de energia elétrica a partir da energia hidráulica.  Desde a década de 70, esta foi uma das medidas que o governo brasileiro tomou para reduzir a dependência de combustíveis fósseis na geração de energia elétrica. Durante esse período, houve um grande aumento no preço do barril de petróleo que motivou a busca por fontes alternativas através de incentivos do governo.

Fernanda: A mesma postura foi adotada por diversos países, sempre buscando fontes alternativas ao petróleo, de acordo com a disponibilidade de recursos naturais em seus territórios e também das suas respectivas realidades econômicas e tecnológicas.

Thiago Ribeiro: Dos anos 70 pra cá, nossa matriz vem se diversificando. O Brasil tem buscado ampliar o leque de fontes para a geração de eletricidade. Atualmente, nossa matriz também gera energia elétrica a partir de outros recursos. Além das hidrelétricas, em ordem de importância, temos as termelétricas, que produzem cerca de 20% do total gerado. Nelas a energia é produzida através da queima de combustíveis como biomassa, carvão e derivados de petróleo. Cerca de 10% da geração é obtida através dos ventos, energia que é captada nos parques eólicos. Por último,  uma pequena fatia de 6% se divide entre energia solar, nuclear e outras fontes.

[Notícias sobre escassez hídrica]

Fernanda: Bom, se no passado a decisão de investir na energia hidráulica como alternativa ao petróleo trouxe vantagens como maior independência energética e o aproveitamento de um dos nossos recursos mais abundantes, hoje o cenário parece diferente. A essa altura, todo mundo já deve ter sentido no bolso o aumento da tarifa energética por conta da escassez de chuvas que vem afetando as regiões Sul e Sudeste do Brasil. De acordo com o último relatório anual da Empresa de Pesquisa Energética, essas são justamente as regiões que possuem a maior demanda por eletricidade.  Mas como esses reajustes tarifários são determinados?

Alessandra Amaral: Uma característica do nosso preço de energia é que quando chove, o preço cai. Então, uma série de empresas como a minha, e empresas que fazem o que eu faço mas que também compram e vendem energia para esses consumidores… Através dessa gestão do consumidor é que a gente indica momentos para comprar energia: “Ah, choveu agora. Vamos comprar. Vamos fazer um contrato de três anos”. É como se fosse uma bolsa de valores de energia em que você faz um ‘Hedge’, que é um contrato de proteção futuro. Você garante um custo futuro ali para o consumidor.  

Thiago Ribeiro: Essa é a Alessandra Amaral. Alessandra é Meteorologista formada pela USP e atua, há mais de 10 anos, no ramo da energia elétrica no Brasil, que inclui não apenas a produção ou geração de energia, mas também a sua compra e venda. A Alessandra também é co-criadora da empresa Solver Energia, que é focada, principalmente, na gestão de consumidores, mas também de usinas geradoras dentro do mercado de energia elétrica brasileiro.

Alessandra Amaral: Quando eu estava na minha graduação, tive o privilégio de cair no mercado de energia elétrica. Me apaixonei por esse mercado e eu caí nesse mercado porque, sem saber, Meteorologia tinha tudo a ver com setor de energia no Brasil. Justamente porque a gente tem uma matriz muito dependente de energias renováveis. E aí, a Meteorologia estuda a chuva, estuda o vento, estuda radiação, e tudo isso é fonte de energia hoje, aqui para o nosso país.

Fernanda: Isso é muito interessante! Que o regime de chuvas influencia a capacidade de geração de energia elétrica, nós já estamos familiarizados. Mas, particularmente, nunca tinha parado para pensar na existência de uma espécie de ‘bolsa de valores’ que analisa todas essas variáveis na hora de precificar a eletricidade.

Thiago: Faz todo o sentido! Mas você poderia explicar melhor pra gente como esse mercado de energia funciona, Alessandra?

Alessandra: Bom, muita gente não sabe, mas no mercado, no Brasil, no setor brasileiro, você tem dois ambientes de contratação de energia. Você tem o ambiente regulado, que somos, por exemplo nós, residenciais, que são consumidores que a gente chama de ‘baixa tensão’ e consumidores de ‘alta tensão’, que são consumidores que exigem mais da rede de distribuição, que tem mais motores, mais cargas. Esses consumidores, dependendo do tamanho deles, eles podem ir para o mercado livre de energia e comprar a própria energia.

Fernanda: Esses grandes consumidores que a Alessandra citou são as empresas comerciais, industriais e de serviços com demanda superior a 500 kw de energia por mês, e que podem escolher por comprar no mercado livre de energia. Nesse mercado, empresas geradoras, comercializadoras e consumidores negociam a compra e a venda de energia elétrica.

Thiago: Além da previsibilidade dos custos, através dos contratos futuros de proteção do investimento, comentados pela Alessandra, outra vantagem desse mercado de energia livre é a possibilidade de escolha do seu fornecedor de energia elétrica. Nós, consumidores do mercado regulado, somos submetidos aos contratos de concessão de energia assinados pela ANEEL.

Fernanda: Nesses contratos, as empresas distribuidoras autorizadas atuam como intermediárias na comercialização de energia elétrica. Aqui no estado de São Paulo, por exemplo, o Grupo CPFL é uma dessas concessionárias. Mas tem, a ELEKTRO, a ENEL, a Energisa Sul-Sudeste, dentre outras. E é nesse mercado que a Alessandra atua, orientando o pequeno e o grande consumidor na compra e venda de energia e no seu uso mais eficiente.

Alessandra: Então, nesse mercado, a atuação de uma empresa como a minha, por exemplo, é olhar para todos os aspectos da conta de luz de um consumidor e mostrar pra ele onde está o ponto ótimo. Qual é o mínimo que ele consegue gastar com energia para produzir, para enfim, ter seu escritório, manter um conforto térmico. Enfim, de diversas formas.

Thiago: Além da Meteorologia, sua área de formação, quais outros profissionais são essenciais para compor uma equipe que presta esse tipo de serviço?

Alessandra: Olha, nesse setor é muito importante um engenheiro eletricista no time. É muito importante um economista. Porque o economista também, essas variações malucas de PIB, essas coisas e tudo mais, altera totalmente o que a gente vai consumir no futuro. Se a gente fica vivendo crise econômica atrás de crise econômica, o país não cresce tanto no consumo. Então, isso também afeta na precificação de energia.

Fernanda: Esse setor é muito dinâmico mesmo! Em 2014 a Companhia Paranaense de Energia [a COPEL] pediu à ANEEL um aumento de 32,4% na tarifa de energia. A COPEL é uma empresa estatal de economia mista responsável pela geração, transmissão e distribuição de energia elétrica para todo o estado do Paraná. Naquele ano, assim como nos últimos anos, o estado enfrentava um cenário de escassez hídrica e a empresa precisou apelar ao mercado livre de energia para atender a projeção de crescimento do consumo. Entretanto, o crescimento do setor industrial foi menor do que o esperado, baixando também o consumo de energia elétrica.

Thiago: Justo no momento em que a economia está fragilizada e os consumidores tentam reduzir gastos, inclusive buscando a diminuição na conta de luz, ocorre que as distribuidoras precisam aumentar o preço da energia para compensar a perda que teriam pela falta de consumo. A conta a ser paga sempre fica para o consumidor, para o cidadão comum.

Fernanda: Além da influência do próprio mercado financeiro e do consumo, a gente não pode deixar de considerar os efeitos das alterações climáticas. O que para o Brasil, que tem a água como principal fonte de geração de energia, é muito complicado.

Alessandra: É importante ter gente que saiba programar e fazer modelos, e desenvolver modelos, enfim, de previsões, próprios. Tudo isso é muito importante. Porque esse é um setor que se atualiza e que está tudo mudando muito rápido. Então, há cinco anos atrás, o auge era eólica. Há trinta anos o auge era a hidráulica. Agora é solar. Todo mundo só fala de solar. Já passamos por biogás, biomassa… Então, você sempre tem que estar entendendo de tecnologia nova, entendendo o efeito regulatório de uma mudança. Enfim, tudo, tudo que acontece no setor. Todo ano é uma novidade.

Thiago: Mas, Alessandra. Como que esses impulsos no setor elétrico ocorrem no Brasil? Quero dizer, de onde partem as iniciativas de investimento para a ampliação desta ou daquela fonte? Quem decide que o momento é propício para construir usinas hidrelétricas, solares, eólicas, ou implantar outro tipo de tecnologia?

Alessandra: A década de 2010 aqui no Brasil. 2010 aqui até 2020, a gente pode dizer que quem dominou, assim, o crescimento, quem cresceu com força, foi, principalmente, no começo da década, a eólica, né. E foi um mix, né, de evolução tecnológica no mundo como um todo e o Brasil, por ter uma característica meteorológica muito favorável no Nordeste, que é a questão dos ventos alísios, né. E esses são ventos bem constantes. Isso favorece a eólica. Então, você juntou um momento global em que todo mundo já estava com essa tecnologia pronta, com um país que tem uma baita oportunidade, trouxe muito investimento pra cá. E começaram as grandes empresas a fazer o movimento da eólica no Brasil. 13:03

Fernanda: Então a gente pode dizer que, no caso das eólicas, a iniciativa de expansão desse tipo de geração partiu da pressão de grandes empresas estrangeiras para entrar no mercado brasileiro? Como os governos da época negociaram com esse mercado?

Alessandra: Tiveram vários subsídios, assim como tem hoje para a solar, ao longo dos anos. Então, tudo isso favoreceu com que a eólica se expandisse drasticamente. Então, foi uma iniciativa, uma pressão da iniciativa privada, momento global também em relação a esse olhar pro meio ambiente, que é um assunto cada vez mais latente (e a gente já tinha o protocolo de Kyoto e o governo também fez políticas para incentivar isso. Como? Através dos leilões de energia.

[notícias sobre os últimos leilões] 

Thiago: Leilões de energia? Pelo jeito vamos deixar essa questão ainda mais complexa, então vamos lá. A comercialização de energia elétrica no Brasil é regulada pela Agência Nacional de Energia Elétrica, a ANEEL. Ela estabelece as diretrizes para a liquidação das operações de compra e venda, controle dos contratos de comercialização de energia elétrica, garantias financeiras e a efetivação de registros de contratos.

Fernanda: Por aqui, a principal forma de contratar a energia elétrica e expandir a matriz, tem sido realizada através dos leilões de geração e de transmissão. É competência da ANEEL promover leilões públicos para que as distribuidoras possam comprar, de forma regulada e transparente, a energia que irão oferecer para seus clientes.

Thiago: Na prática, o leilão de geração funciona assim: O Ministério de Minas e Energia estabelece as condições nas quais o leilão deverá ser realizado. Por exemplo, a compra de energia elétrica para garantir a expansão do sistema ou um ajuste dos contratos já estabelecidos com as distribuidoras. Então, o Programa de Parcerias de Investimentos, o PPI – programa vinculado ao Ministério da Economia, articula para coordenar os esforços das instituições envolvidas, e a ANEEL apresenta a proposta do edital em uma consulta pública.

Fernanda: A Empresa de Pesquisa Energética, citada lá no início do episódio, analisa a proposta e habilita a realização dos projetos que, posteriormente, são publicados pela ANEEL, em conjunto com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Os vencedores do leilão são homologados pela ANEEL e o Ministério de Minas de Energia outorga as concessões.

Thiago: Como o Brasil pode caminhar para se tornar menos dependente das térmicas, sobretudo em épocas como essas de estiagens mais severas? Qual o futuro do setor energético brasileiro diante das mudanças climáticas? Como isso afeta o nosso bolso?

Fernanda: Essas e outras questões serão discutidas em um próximo episódio. Nele, continuamos nosso papo com a Alessandra que vai nos explicar melhor a dinâmica atmosférica, gestão elétrica e sustentabilidade.

Thiago: Esse episódio foi escrito e apresentado por mim Thiago Ribeiro e por Fernanda Capuvilla. A revisão do roteiro foi feita pela coordenadora do Oxigênio, a Simone Pallone, do Labjor/Unicamp. Os trabalhos técnicos são do Gustavo Campos e do Octávio Augusto Fonseca, da rádio Unicamp. E a  ilustração da capa é de Matheus ‘Vareja’[1]  (@matheus_vareja).

Fernanda: Você também pode nos acompanhar nas redes sociais, estamos no Instagram e no Twitter, basta procurar por “Oxigênio Podcast”.

Thiago: Você pode deixar a sua opinião sobre este programa comentando na plataforma de streaming que utiliza. Obrigado por ouvir e até o próximo episódio!

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