#134 – É tudo mato? As plantas que não vemos
set 11, 2021

Compartilhar

Assine o Oxigênio

As plantas estao em todos os lugares: no jardim, na decoracao, na praca e no parque. Elas estao la, mesmo que a gente nem sempre note sua presenca. Essa nossa insensibilidade diante desses seres vivos ficou conhecida como cegueira botanica. Termo proposto na decada de 90, junto com uma lista de sintomas, falhas de nossa percepcao, em reconhecer a individualidade, o ciclo de vida e a importancia ambiental das especies vegetais. Mas, essa nossa relacao com as plantas pode ser melhorada e, os jardins botanicos, espacos dedicados a preservacao e divulgacao das plantas, sao uma ferramenta importante nesse processo.

Nesse episodio, mayra trinca e thiago ribeiro conversam com matheus colli-silva, que e biologo e doutorando em botanica pela usp e, com domingos savio rodrigues, diretor do jardim botanico de sao paulo, para entender melhor o que e essa cegueira e o que e, e qual o papel de um jardim botanico nessa historia.

Vem com a gente encontrar um outro olhar pro mundo verde ao nosso redor.

thiago: oi! Deixa eu te fazer uma pergunta. Se eu te pedir um exemplo de alguma especie que esta ameacada de extincao, qual e a primeira que vem na sua cabeca?

thiago: e bem provavel que voce, assim como a maioria das pessoas, tenha pensado em um animal como o mico-leao-dourado ou a onca-pintada, ja que sao eles que, com frequencia, ganham a midia e as manchetes quando falamos sobre extincao.

mayra: o que pode te surpreender e que as plantas correm um perigo ainda maior do que os animais. Um relatorio feito no ano passado pelo jardim botanico kew gardens mostrou que 2 em cada 5 especies de plantas estao em extincao. No brasil, das 6 mil especies avaliadas pelo centro nacional de conservacao da flora, 2 mil estao ameacadas em algum grau.

thiago: segundo o ultimo censo do icmbio, registrado no livro vermelho da fauna brasileira ameacada de extincao, em 2018, dos mais de 17 mil grupos de animais listados, 1.173 encontram-se ameacados. Isso significa dizer que, proporcionalmente, o risco de perda de diversidade vegetal e cerca de 5 vezes maior em relacao aos grupos animais. essa dificuldade que temos de perceber e valorizar as plantas como um grupo de seres vivos importantes faz parte de um fenomeno conhecido como cegueira botanica.

thiago: e ai? Se interessou? Meu nome e thiago ribeiro.

mayra: e eu sou a mayra trinca. E hoje vamos tentar entender um pouquinho mais sobre essa tal cegueira ou invisibilidade da flora que esta presente em tantos espacos a nossa volta.

[vinheta oxigenio]

mayra: vou comecar falando da minha relacao com as plantas. A versao curta da historia e assim. Quando eu entrei na faculdade para fazer biologia, tinha toda certeza do mundo que ia trabalhar com bicho, mas o mundo deu voltas bem rapido e logo no primeiro ano eu comecei um estagio na botanica. Ai fui me interessando e pegando outras disciplinas sobre o tema. Foi numa apresentacao de seminario em uma dessas disciplinas que eu conheci o termo cegueira botanica.

thiago: eu me lembro de notar as plantas, pela primeira vez, no cursinho. Desde entao, a botanica passou a ser uma parte da biologia muito complicada pra mim. Com um monte de nomes estranhos e dificeis de entender. Nao sei dizer como isso de fato aconteceu, mas quando percebi, estava concluindo meu trabalho final de curso sobre conservacao do palmito jucara. Nesse momento eu ja tinha tido contato com o termo cegueira botanica e, a partir dai, essa tem sido uma questao que sempre me intriga.

mayra: esse contato meio conturbado com a botanica e relato comum entre as pessoas que fazem o curso de biologia e acaba se refletindo na educacao basica, ja que a maioria dos professores de ciencias tem essa formacao.

matheus: sempre tem esse estereotipo da botanica entre os biologos. Eu acho que isso tambem existe, inclusive, entre os professores, que sao biologos na maioria das vezes – professores de ciencias e de biologia – e, que tem uma aversao as plantas que acaba surgindo no ambiente academico mesmo.

thiago: esse e o matheus-colli silva, que e biologo e doutorando na area de botanica pela usp.

mayra: e foi exatamente nesse contexto escolar que essa tal cegueira botanica comecou a ser explorada. O primeiro e mais famoso artigo sobre o tema, e de 1999 e foi publicado numa revista da associacao nacional de professores de biologia, na california, estados unidos.

thiago: nele, os autores discutem como e comum o desinteresse pelas plantas e propoem esse termo cegueira botanica. Alem de listar uma serie de sintomas, que demonstram essa dificuldade em enxergar as plantas ao nosso redor.

mayra: um dos primeiros sintomas apontados pelo artigo e a dificuldade de entender as plantas como protagonistas e por isso, a gente acaba colocando todas como uma massa unica de coisas que servem como um cenario. Mesmo que estejam totalmente envolvidas nos habitos e sobrevivencia dos animais, as plantas costumam ser percebidas como coadjuvantes na natureza.

matheus: eu acho que tem a ver com como as pessoas percebem o que e um ser vivo, ne? Para muita gente, um ser vivo e aquilo que se mexe. Muitos outros seres vivos, eu acho na verdade, passam despercebidos pelas pessoas. Ou eles ate sao percebidos, so que eles sao percebidos como um elemento da paisagem, nao como um individuo que tem a sua identidade. Eles sao so um plano de fundo.

mayra: o matheus lembra que essa percepcao em relacao as plantas ocorre tambem com os fungos. Embora nao sejam plantas, os fungos sao estudados na grande area da botanica. Como nao se movem tao rapido quanto um animal, tambem acabam invisibilizados na natureza, como as plantas.

thiago: o matheus nao e o unico a pensar assim. A gente conversou com o domingos savio rodrigues, que e diretor do jardim botanico de sao paulo. E ele tambem tem essa percepcao de que muitas vezes o jardim parece funcionar apenas como um plano de fundo para as atividades que sao realizadas dentro dele.

domingos: as familias vem para contemplar mesmo a natureza. Botar uma toalha no gramado, em alguns bancos, e ficar naquela paz, naquela contemplacao da natureza. E, tem o pessoal que vem tirar fotos. Eles aproveitam varios pontos: tem umas escadarias, tem estufas, tem um portao.

mayra: ou seja, as pessoas escolhem esses lugares com plantas para terem um fundo bonito para as fotos e por criarem um ambiente agradavel para fazer um piquenique. Mas dificilmente essas pessoas escolhem esse cenario para caracterizar, por exemplo, nas fotos, plantas que sejam originarias daquele lugar. E esse e um outro sintoma da cegueira botanica.

thiago: mas eu vou ser sincero com voces, ja me peguei pensando se isso realmente faz diferenca, sabe? Assim, eu sei que as plantas sao muito importantes pro meio ambiente e tudo mais, mas com todo o intercambio cultural que existe hoje, por que eu deveria dar prioridade pras especies nativas sobre as exoticas, as plantas que vieram de outros lugares? Ai, eu fiz essa pergunta pro matheus.

matheus: primeiro que voce entende um pouco da flora do local e conhecer a nossa flora, a nossa fauna, e conhecer a nossa historia, certo? Entao, quando a gente conhece quais sao as especies que ocorrem na regiao onde a gente esta, a gente entende um pouco como que o nosso lugar e. A gente entende um pouco da nossa historia como individuo, assim como ser vivo. E, tambem acho que tambem como nacao, ne? Acho que tem ate uma coisa meio patriotica.

mayra: quando a gente fala sobre a relacao das plantas com a nossa historia, nao tem como nao pensar no pau-brasil, essa arvore que deu nome ao pais, e nativa aqui da mata atlantica e e endemica do pais. Quer dizer que ela so cresce naturalmente aqui e em nenhum outro lugar do mundo.

thiago: e, mas o pau-brasil e so uma entre tantas do brasil, que tem a maior diversidade de especies de plantas do planeta. Tem tambem o acai, o palmito, o cupuacu e o cacau, que hoje ta no chocolate do mundo todo, mas que e daqui, da amazonia.

matheus: acho que passa por ai. Assim, quando a gente entende um pouco melhor o que e nosso, o que e brasileiro, a gente entende a nossa historia. Po, a gente nao estuda historia? A gente sabe que o getulio vargas e brasileiro e ele compos a historia do pais? Por que a gente nao pode entender um pouco melhor ou, pelo menos, ter a possibilidade de valorizar a nossa flora, ne? Sei la, nao sei se eu convenci voces.

mayra: eu nao sei voce, mas eu fui facilmente convencida, e adorei esse jeito de pensar as especies de plantas como parte da nossa historia.

thiago: na verdade, se a gente parar pra pensar, as plantas estao super presentes na nossa vida, tem o jardim na casa da vo, tem as flores de enfeites, os buques e sao um presente classico em ocasioes especiais. E ate mesmo na cidade. Se voce mora no sudeste, com certeza ja parou para observar um ipe todo florido no meio da rua.

mayra: ai e que entra um outro sintoma da cegueira, a gente tende a prestar atencao nas flores, mas nem sempre na planta em si. Por exemplo, todo mundo conhece as rosas, mas sera que voce consegue identificar uma roseira sem que ela esteja florida?

domingos: mas assim, de repente, a turma nao se liga que tem uma arvore ali muito rara, ne. Ameacada de extincao. E a pessoa nao se liga assim na arvore nem na planta. Por que ele vem aqui e tem epoca que tem flor e epoca que nao tem. Tem muita gente que quer vir aqui e acha que vai estar tudo florido, porque aqui e gramado, ne? Claro que tem, pode ter flores, ne. Mas a gente explica. Sera que essa pessoa faz um link entre porque que tem ou nao tem e, o verao e o inverno? Saber a diferenca do porque que essa arvore tem epoca que esta com folha caida ou porque nao esta.

thiago: as flores sao so uma parte do ciclo de vida das plantas. Sao as estruturas responsaveis pela sua reproducao e, portanto, so aparecem quando estao prontas para formar uma nova geracao. Mas isso tem um tempo para acontecer, dependendo das estacoes, do clima, da quantidade de agua.

mayra: claro que flores sao lindas, mas e importante reconhecer a planta como um organismo com um ciclo de vida complexo, cheio de fases e que vao muito alem das flores.

matheus: que e o que os autores classicos descrevem. A cegueira botanica nao e so a identidade da planta como um individuo que pertence a uma caixinha. A cegueira botanica tambem tem a ver com o entendimento das plantas de maneira geral, da biologia delas. As pessoas muitas vezes nao associam flor com fruto. Entao, mostra um tomate com flor e ela vai falar ue, mas como assim?. E muito doido isso, e engracado.

thiago: entender o ciclo de vida e o funcionamento das plantas tambem e parte importante de reconhecer o papel fundamental que elas cumprem no combate ao aquecimento global. Quando a gente diminui, mesmo que sem querer, a relevancia das plantas no nosso dia a dia, a gente pode acabar ficando insensivel aos eventos de derrubadas ou queimadas desses seres.

domingos: mesmo a gente falando em efeito das mudancas climaticas, o pessoal nao se liga assim. Uma pouca porcentagem que se liga nisso, ne.

mayra: as florestas tropicais tem um papel fundamental na regulacao do clima global, influenciando o regime de chuvas, protecao contra inundacoes e controle de erosao. O domingos nos contou sobre um dos importantes servicos ambientais oferecidos pelo parque estadual fontes do ipiranga, localizado no municipio de sao paulo, no qual esta inserido o jardim botanico de sao paulo.

domingos: aqui, nos temos ate 3c de diferenca de temperatura com algumas partes da cidade de sao paulo que sao mais asfaltadas. Entao, mostra isso na pratica. Serve como uma esponja para nao ter enchentes aqui na regiao. Mesmo tendo aqui o jardim botanico, ainda tem enchente aqui por perto.

thiago: infelizmente, quase sempre as plantas somente sao notadas por sua utilidade a servico da humanidade. A devastacao das florestas tropicais reflete, sim, em um agravamento da questao climatica, com todos os problemas decorrentes do aquecimento global. Mas as plantas nao se resumem apenas a extensos tapetes verdes, reservatorios de carbono, fornecedores de oxigenio e que auxiliam na regulacao do clima global.

mayra: a perda dessas florestas, alem de afetar o clima, tambem tem como consequencia, a destruicao de diversos ecossistemas, com a extincao de especies que nem sequer foram descobertas.

matheus: a valorizacao da fauna e da flora, que sao patrimonios nacionais, isso e algo muito importante, porque a gente tem muitas especies que so ocorrem no brasil. Mais importante do que isso, o brasil e o pais mais diverso do mundo em termos de riqueza de especies de plantas. Muita gente nao sabe disso.

matheus: a gente nem percebe mas, se a gente soubesse, se a gente valorizasse, se a gente entendesse, talvez a forma de como a gente se relaciona com o ambiente seria muito diferente, a gente teria mais nocao, seria muito mais sustentavel.

mayra: mas qual seria o caminho para melhorar essa nossa relacao com as plantas? Como a gente pode minimizar os sintomas provocados por essa cegueira botanica?

domingos: essa questao, eu acho que tem que ser mudada na escola de base. Na escola fundamental, ne? O ideal e que venha crianca aqui para ter aula de educacao ambiental mesmo. Pra ver a nascente, pra ver o verde.

domingos: e, eu acho que os ouvintes do programa de voces, quando forem ouvir isso, vao ate despertar entre eles mesmo, por que? Essa cegueira, ela nao e so nos jardins botanicos. Pode ser em parques tambem. Tem muita gente que nao vai em jardins botanicos, mas vai em parques, ne? Levar a crianca pra passear e, de repente, nao esta nem ligado que planta e aquela, que arvore e aquela, que flor e aquela.

thiago: nos tambem perguntamos ao domingos sobre qual a percepcao que o publico tem em relacao ao jardim botanico.

domingos: o pessoal, a comunidade, o municipe paulista ainda nao descobriu o jardim botanico ainda, ne? Nos temos em torno de 150 a 200 mil visitantes. O zoologico tem mais de 1 milhao … Por ano.

domingos: quando a gente vai falar do jardim botanico, a gente fala que e do lado do zoologico. A gente recebeu visita antes aqui, que eles nao conseguiram chegar no zoologico por causa do transito. Ai os caras entram, meu, e falam: nossa! O que e isso!

mayra: mas domingos, explica melhor pra gente, o que e um jardim botanico? Ele e como um jardim ou uma praca qualquer com canteiros expondo flores multicoloridas e gramados verdejantes para visitantes que buscam fugir da rotina atribulada das cidades? O que esse espaco tem de diferente ou de especial?

domingos: o jardim botanico tem varias categorias, ne. Sao varios jardins botanicos no brasil. E tem o conama, conselho nacional do meio ambiente. Ele que regula os jardins botanicos. Entao, para o jardim botanico ser considerado classe a, sao 17 itens. O jardim botanico tem que ter herbario, ele tem que ter colecoes, ele tem que ter um corpo de pesquisadores, tem que ter biblioteca, tem que ter cursos para a comunidade. Se o jardim botanico tiver uma quantidade, sei la, dez, ai ele entra numa categoria b, c, entendeu? Nao precisa ser, tambem, uma unidade de conservacao. Aqui, o parque estadual fontes do ipiranga, e uma unidade de conservacao.

thiago: caso voce nunca tenha visitado um jardim botanico, vamos tentar descrever algumas das principais impressoes desse lugar.

camille: a primeira vista, um jardim botanico pode ate lembrar um parque, com arvores muito parecidas recheando seus canteiros, todos contornados por arbustos e ervas floridas que perfumam e embelezam seus caminhos. Mas, o caminhar dentro de um jardim botanico reserva certa demora, uma morosidade de quem procura, com o olhar, diferenciar formas, cores e texturas e, por vezes, se perde em meio aos proprios pensamentos.

camille: um jardim tambem possui canteiros porem, estes normalmente se apresentam organizados por categorias. Imagine que estamos caminhando por uma dessas trilhas. E possivel ouvir os sons dos passaros fazendo alvoroco enquanto se recolhem em seus poleiros. Eles gostam de visitar o jardim atras de comida ou de um lugar para descansar antes de seguir viagem. Logo o ar parece diferente, parece mais leve, mais fresco do que la fora. Um cheiro diferente passa impregnar as narinas. Um cheiro de mato verde ou algo assim.

camille: enquanto voce caminha, tentando decifrar essa mistura de odores, comeca a notar um barulho que passava despercebido. E o som de passos que se chocam contra o chao da trilha, agora coberta por cascalho e outras tantas pequenas pedras. Um pequeno jardim do seu lado esquerdo, tambem coberto por pedras como as da trilha, chama sua atencao. Ali crescem plantas de aparencia pouco amigavel. Parecem ter vindo de algum deserto. Algumas nem parecem vivas mas, olhando com um pouco mais de atencao, podemos notar que flores brancas em formato de funil estao brotando do topo de algumas dessas colunas espinhosas.

camille: enquanto voce se distancia daquele canteiro intrigante, um pouco mais adiante, a sua direita, um caminho te guia a uma paisagem completamente diferente. O ar parece mais umido agora. Sem sombra de duvidas, aquele cheiro de mato verde e bem mais forte aqui. Ele se mistura com o cheiro de terra molhada e troncos apodrecidos. A trilha parece ter sido engolida por um bosque com arvores altas de copas densas cobrindo sua cabeca.

camille: aqui, a umidade estimula o olfato de uma forma que parece permitir sentir o gosto das folhas verdes, dos troncos, da terra. E por falar das folhas, estas possuem coloracao de um verde muito vistoso. Possuem diferentes formas, texturas e tamanhos: ovais, redondas, alongadas, lisas, asperas, aveludadas, pequeninas e avantajadas. O chao esta coberto por uma camada de folhas mortas, galhos e troncos podres. Com sorte, e possivel encontrar alguma flor ou fruto recentemente desprendido das copas das arvores.

mayra: ao olhar pro chao, pertinho do tronco das arvores, voce ve uma plaquinha fincada. Nela, pode ler dois nomes, um mais comum, que se puxar na memoria tenho certeza que ja ouviu em algum lugar. O outro, logo abaixo, e diferente. Tem duas partes e parece escrito em latim. E o nome cientifico daquela especie.

thiago: essas placas sao parte importante dos jardins botanicos. Mostram a identificacao das arvores, que funcionam tanto para organizacao do proprio jardim, quanto para facilitar o manejo e as pesquisas. E, servem para ajudar os visitantes a identificar e conhecer mais sobre aquela planta.

domingos: e a gente tem, na nossa area, a gente tem um grande lance que e nomes vulgares, ne? Por exemplo, eu sou pernambucano, ne. Entao, uma planta com nome la, aqui ja tem outro nome. La no jardim dos sentidos, e a gente faz de proposito, tem o capim limao e o capim citronela. Ai, eu peco, quando vou com visita: ah, cheira aqui! O cara cheira e fala: e capim limao. O outro: nao, e cidreira!. E melissa! “. Ai comeca a discussao, ne? E e muito engracado isso.

mayra: os nomes populares sao manifestacoes da cultura de um local ou de um grupo e por isso sao importantes de serem conhecidos. Entretanto, eles nao sao a melhor alternativa quando a gente precisa definir e classificar uma especie sem correr o risco dela ser confundida com outra. Dai, a importancia de usarmos tambem os nomes cientificos.

matheus: entao, assim, a gente consegue olhar para uma planta. Pensando nas plantas, certo? Como um individuo, como uma planta simplesmente, uma coisa verde com folhas. A gente pode olhar como mato. A gente pode olhar como uma entidade que tem um nome cientifico. Quer dizer sao diferentes perspectivas, de identificar alguma coisa, de voce individualizar, voce dar nome pra uma coisa.

thiago: os nomes cientificos sao extremamente importantes no mundo cientifico. Eles garantem que uma planta especifica seja diferenciada das demais, podendo ser reconhecida em qualquer lugar do mundo e, apenas atraves desse nome, ja conhecemos um pouco da sua evolucao e sua relacao com outras especies.

mayra: infelizmente, nem todo mundo reconhece o valor dessa informacao. O matheus pensou e fez parte de uma iniciativa super legal de colocar essas placas de identificacao em um jardim la na usp. O grupo de pesquisa que ele fazia parte fez algumas entrevistas com o pessoal que passava pelo local, perguntando as opinioes da galera sobre aquelas placas.

matheus: teve uma que falou assim: acho que voces estao jogando dinheiro fora. Nao deveriam fazer essas placas ai nao, porque ninguem da valor pra isso. Ninguem liga pra isso. Ninguem liga pras plantas. Eu lembro que teve uma pessoa que falava assim ah, elas nao sao uteis para mim, nao vejo utilidade. Nao tem pra que colocar placa, nao tem utilidade. Essa planta ai, nao da fruto para mim, nao da comida pra mim.

thiago: essa ideia de separar plantas uteis daquelas, aparentemente, inuteis para nossas vidas e mais um dos sintomas que fazem parte da cegueira botanica. Enxergar a importancia unica e exclusiva das plantas em nos servir de alguma forma, no geral, nos fornecendo comida ou medicamentos, e uma visao que limita nossa relacao com esses seres vivos.

domingos: essa cegueira botanica e muito interessante, realmente. Porque, as vezes, a pessoa quando… A gente tem um pe de jaca aqui e o pessoal fica: nossa! Isso e um pe de jaca! Eles ficam, assim, bem entusiasmados pra ver uma jaca. Ai, vai la na frente e ve um pe de cafe tambem. Quer dizer, a gente se preocupa com as plantas nativas e o publico fica maravilhado com essas coisas assim: nao, essa ai nao e jaca! Quer dizer, engracado, ne.

mayra: e na verdade, isso ate que faz sentido. Imagine como era a vida de um ser humano que viveu ha milhares de anos, antes do surgimento das cidades antigas, dominando ferramentas muito simples. Sem duvida, era mais importante, pra ele, aprender a reconhecer uma planta que poderia ser fonte de alimento de outras sem valor nutritivo ou, ate mesmo venenosas.

thiago: por outro lado, a gente sabe que existe uma forte influencia cultural sobre o nivel de percepcao que as pessoas tem sobre as plantas.

matheus: acredito que a cultura tem um papel muito forte. Entao, se voce comparar numa cidade como sao paulo, o estudo que eu fiz com os umbandistas. A umbanda e uma religiao da cidade. Ela nasceu na cidade e, ela existe na cidade, e a cidade e um lugar que nao tem vegetacao. Mas, as pessoas conhecem muito de plantas. Voce leva elas para um lugar com mata, as pessoas conseguem identificar bem os elementos. Elas conseguem saber que uma palmeira e diferente da outra. Que essa arvore, ela e diferente da outra. Que essa erva e uma coisa, que a outra e outra. Diferentemente de uma pessoa, por exemplo, que pratica outra religiao que nao e tao ligada aos elementos vegetais.

mayra: essa discussao apresenta um terreno muito fertil. Por um lado, os estudos pioneiros sugerem que a causa da cegueira botanica esta relacionada com nossa historia evolutiva e, com o conjunto de ferramentas biologicas que organizam nosso corpo. Ou seja, faz parte do que somos enquanto especie humana ter essa visao limitada das plantas.

thiago: no entanto, nao podemos desconsiderar que essa percepcao possa ser tambem determinada culturalmente. Mesmo os estudos classicos sobre o assunto nao deixam de reconhecer a importancia dos aspectos culturais, ja que observamos diferentes padroes dependendo das vivencias de cada pessoa. E provavel que seja uma soma de diversos fatores pois, um fenomeno tao amplo assim, dificilmente tem sua explicacao em uma unica causa.

mayra: verdade seja dita, que esse e um tema relativamente novo no mundo cientifico. Os debates ainda estao acontecendo e outras abordagens ainda estao sendo desenvolvidas para tentar solucionar algumas das lacunas desses estudos.

thiago: inclusive, o proprio significado da expressao cegueira botanica tem sido questionado pois, esta, pode ser considerada como um termo capacitista.

matheus: primeiro, que ser cego nao e algo que tem que ser encarado como uma coisa pejorativa, certo? Segundo, que nao e que as pessoas sao cegas, nao veem. Elas veem. So que elas nao dao a devida individualizacao das plantas como elas fazem para os animais.

matheus: nao estou falando tambem que, a gente tem que saber tudo, de todas as coisas, mas, eu acho que a gente tem que estar, pelo menos, aberto a olhar. Assim, falar nossa! Que sera que e isso? Pelo menos, ter essa curiosidade que a gente tem com os animais. Com os animais, a historia e outra. Assim, a gente entra num nivel de querer saber, que e muito alem e, que a gente poderia ter para as plantas tambem.

mayra: aproveitando essa fala do matheus, nos gostariamos de dedicar esse episodio a todas as biologas e biologos que no dia 3 de setembro celebram essa profissao que trabalha em beneficio da vida em todas as suas formas e que costumam ser despertadas e despertados para a biologia justamente por essa curiosidade da qual o matheus fala. Bom, nos vamos encerrando o programa e, se voce, assim como a gente, tambem se interessou pelo tema, fica aqui um convite do domingos.

domingos: os ouvintes do programa estao todos convidados a vir conhecer o jardim botanico e tomar um cafezinho.

thiago: esse episodio foi escrito e apresentado por mim thiago ribeiro e por mayra trinca. A revisao do roteiro foi feita pela coordenadora do oxigenio, a simone pallone, do labjor/unicamp. Os trabalhos tecnicos sao do gustavo campos e do octavio augusto fonseca, da radio unicamp. A narracao do passeio no jardim botanico foi de camille bropp. E a ilustracao da capa e de matheus vareja (@matheus_vareja).

a trilha sonora e do freesound e da biblioteca de audio do youtube.

mayra: o nosso entrevistado, domingos savio rodrigues, comentou sobre servicos ambientais e esse foi o tema do episodio numero 60 do oxigenio. Se quiser saber mais sobre o que e isso, escute nosso episodio 60 http: //oxigenio. Comciencia. Br/60-tematico-servicos-ecossistemicos/.

thiago: voce tambem pode nos acompanhar nas redes sociais. Estamos no facebook, (facebook. Com/oxigenionoticias – tudo junto e sem acento), no instagram e no twitter, basta procurar por oxigenio podcast.

mayra: voce pode deixar a sua opiniao sobre este programa comentando na plataforma de streaming que utiliza. Obrigado por ouvir e ate o proximo episodio!

Veja também

#174 – Um esqueleto incomoda muita gente

#174 – Um esqueleto incomoda muita gente

Novas descobertas sobre evolução humana sempre ganham as notícias e circulam rapidamente. Mas o processo de aceitação de novas evidências entre os cientistas pode demorar muito. Neste episódio, Pedro Belo e Mayra Trinca falam sobre paleoantropologia, área que pesquisa a evolução humana, e mostram porque ela é cheia de controvérsias e disputas.

# 171 – Adolescência – ep. 2

# 171 – Adolescência – ep. 2

Alerta de gatilho: Este episódio da série “Adolescência” trata de temas difíceis, como depressão, ansiedade, impulsividade e sentimentos ligados às relações familiares, entre eles conflitos entre pais e filhos e também como lidar com essas questões. Ao falar destes...

#169 – Depois que o fogo apaga – Parte 2

#169 – Depois que o fogo apaga – Parte 2

Seguimos falando sobre o processo de recuperação de museus e acervos que pegaram fogo no Brasil. Quais são as etapas até a reabertura? Quem participa desse processo? Ouça como está sendo o trabalho no laboratório da Unesp em Rio Claro, o Museu Nacional do Rio de Janeiro e o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo.

#168 – Depois que o fogo apaga 

#168 – Depois que o fogo apaga 

Incêndios como os que ocorreram no Laboratório de Biociências da Unesp de Rio Claro, no Museu Nacional e no Museu da Língua Portuguesa causam a perda de material valioso de pesquisa e de espaços de trabalho e convivência; e como é o processo de reconstituição dos lugares e dos acervos?

#167 – Ciência estampada no peito

#167 – Ciência estampada no peito

Neste episódio falamos sobre camisetas com temática de ciência, um estilo que vem ganhando força com mais oferta de produtos e porque as pessoas estão cada vez mais preocupadas em expor sua admiração pela divulgação científica. Que tal vestir essa ideia?