#149 – Vida com Saúde – episódio 1: ‘Feliz com esclerose múltipla’
ago 26, 2022

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O podcast Vida com Saúde estreia no Agosto Laranja, mês de conscientização da esclerose múltipla. Neste episódio, vamos conhecer a história de Gustavo San Martin, de 35 anos, um administrador de empresas, pai, filho e irmão protetor que foi diagnosticado com a doença em 2011 e ressignificou essa nova identidade em duas associações de pacientes. Conversamos também com os cientistas Marcos Aurélio Moreira, que é neurologista, e Ana Maria Canzonieri, enfermeira especializada em saúde mental que atua com pessoas que vivem com esclerose múltipla.

Roteiro

Gustavo San Martin: Era como se tivesse um borrão no meu olho e aquele ardor de se tivesse entrado uma lágrima, uma gota de suor, aliás, no meu olho, como se eu tivesse fazendo um esporte contra o sol, você fica com aquele borrão e entra aquela gotinha de suor, começa a arder.

Ludimila Honorato: Incômodo, né? O caminho natural foi buscar um oftalmologista, que fez uma avaliação muito rápida e disse que o problema era falta de óculos. Não satisfeito, Gustavo procurou outro médico e, no fim das contas, ele se consultou com um neuro-oftalmologista. Dessa vez, o especialista demorou mais tempo no atendimento e apontou algumas possibilidades. Gustavo poderia ter uma de cinco doenças: aids, câncer, sífilis, tuberculose ou esclerose múltipla. Seria um jogo de eliminação, um jogo nada agradável, por sinal, até restar somente uma opção.

Gustavo: E ali naquele consultório, eu falei: ‘poxa, se eu tenho que ter uma dessas cinco, eu prefiro ter tuberculose porque hoje em dia se trata, né?’

Ludimila: Mas a gente sabe que não é simples assim, né? Não dá pra escolher. E mesmo que houvesse a possibilidade de escolha, era escolher entre cinco doenças, e não escolher não ter nenhuma.

Gustavo: Eu me senti como se eu tivesse num quarto gelado escuro e eu sozinho.

Ludimila: Aquele momento ainda é muito vívido para ele, mas não mais num sentido negativo. Porque o Gustavo de hoje já ressignificou aquele quarto escuro e gelado. Naquela época, ele não sabia, mas a vida podia ser muito boa, como de fato é hoje em dia.

Gustavo: A  gente fala muito de trocar preposição, sabe? Eu sou feliz mesmo com esclerose múltipla, apesar. Mas na verdade eu sou feliz com esclerose múltipla. Ponto.

Ludimila: Eu sou Ludimila Honorato e esse é o Vida com Saúde, um podcast de encontro entre pessoas e saúde pelas lentes da ciência.

Essa temporada tem parceria com o podcast Oxigênio e o primeiro episódio estreia durante a campanha Agosto Laranja, mês de conscientização sobre a esclerose múltipla.

Gustavo: Meu nome é Gustavo San Martin, tenho 35 anos, em 2011 eu fui diagnosticado com esclerose múltipla. Eu me vejo como pai, sobretudo, do Bento, que tem 2 anos e 8 meses. Me vejo um esclerosado, uma pessoa que tenta, a partir da informação sobre esclerose múltipla, quebrar estigma, preconceito, sensibilizar a sociedade para, quem sabe, a gente encurtar essa jornada de diagnóstico. Então, me vejo um ativista social, de certa forma comunicador sobre saúde e sou feliz.

Ludimila: Eu conheci o Gustavo em 2019, durante um evento sobre esclerose múltipla. Você já deve ter ouvido falar sobre essa doença na televisão ou mesmo nas redes sociais, porque muito se falou sobre ela quando as atrizes Claudia Rodrigues e Ana Beatriz Nogueira disseram publicamente que tinham essa condição de saúde. No dia do evento que eu conheci o Gustavo, ele contou um pouquinho da história dele e falou de uma cena que me marcou muito, que foi quando ele comunicou para a família dele que tinha sido diagnosticado com a doença. Ele vai contar isso de novo mais pra frente, segura aí.

Mas entre o primeiro sintoma – aquele incômodo no olho – e a confirmação da doença, cerca de oito meses se passaram, um período em que ele esteve numa espécie de limbo da síndrome clínica isolada. Isso porque o Gustavo havia manifestado apenas um sintoma, algo isolado mesmo. E essa demora para confirmar o diagnóstico acaba sendo uma característica da esclerose múltipla.

Marcos Aurélio Moreira: Os sintomas da esclerose múltipla, quando eles aparecem, né? Eles podem às vezes ter uma remissão espontânea, ainda mais as agudizações mais leves.

Ludimila: Esse é Marcos Aurélio Moreira, neurologista que começou a estudar esclerose múltipla há pelo menos 20 anos e tem artigos publicados em diferentes áreas da saúde sobre esse tema. Quando ele fala de agudizações, quer dizer que um sintoma ficou mais agudo, aumentou de intensidade ou se agravou. E isso pode acontecer mesmo com sintomas mais leves, que não comprometem tanto o dia a dia. Depois que o sintoma passa, tudo parece voltar ao normal.

Marcos Aurélio: Por isso também é um dos motivos que aquele indivíduo demora às vezes a fazer um diagnóstico. Tem esse exemplo também: ele tem a dormência, por exemplo, na perna e no braço direitos e geralmente esse paciente, inicialmente, não vai no neurologista, ele vai no ortopedista. O ortopedista avalia, vai fazer uma radiografia, não vai encontrar nada, e aí melhora e acaba esquecendo aquilo.

Ludimila: Acho que aqui é um bom momento pra gente explicar melhor o que é a esclerose múltipla.

A esclerose múltipla é uma doença neurológica, autoimune, em que o sistema imunológico, que tem o papel de defender o nosso corpo, faz o contrário e ataca o organismo. Nesse caso, ele ataca a mielina, uma estrutura que reveste o nosso sistema nervoso central. Por isso, a esclerose múltipla é uma doença autoimune e desmielinizante. Palavra complicada, mas vamos lá: des-mi-e-li-ni-zan-te.

Uma das coisas que a mielina permite é a rápida comunicação entre os neurônios, que são células presentes no cérebro. São essas células, ou os neurônios, que fazem o cérebro responder a diversos comandos, como mexer um braço, levantar da cama, enxergar, sentir odores… Então, quando a mielina sofre lesões por conta da esclerose, essas funções neurológicas ficam comprometidas e a pessoa tem dificuldade pra executá-las.

Os sintomas da esclerose são variados e se apresentam de formas diferentes em cada pessoa, dependendo de onde ocorreu a lesão na mielina. Pode ser a visão embaçada, como aconteceu com o Gustavo, um formigamento numa região ou em um lado do corpo, falha de memória e perda da força muscular.

Sabe-se que a esclerose múltipla atinge mais as mulheres e pessoas com idades entre 17 e 40 anos, mais ou menos, mas não se sabe exatamente porque o sistema imunológico começa a se revoltar contra o próprio organismo.

Marcos Aurélio: De uma maneira geral, as doenças autoimunes, por exemplo lúpus e artrite reumatoide, elas têm uma causa desconhecida. O que se sabe é que é uma interação, na verdade, entre autoimunidade, fatores ambientais e suscetibilidade genética individual. Mas o que leva exatamente um certo indivíduo e outro não, às vezes com as mesmas características, às vezes, irmãos, um desenvolve, outro não desenvolve, isso ainda não é totalmente esclarecido.

Ludimila: E como o neurologista Marcos Aurélio disse, os sintomas podem aparecer muito fortemente e depois sumir de uma hora para outra. Então, como foi algo pontual, a pessoa nem se dá conta de que esses sintomas podem ser um alerta para alguma doença; nesse caso, a esclerose múltipla.

Enquanto o diagnóstico do Gustavo não vinha, ele viveu intensamente, porque, como ele mesmo diz, achou que a vida fosse acabar.

E não só ele pensava isso. Lembra que eu falei de uma cena específica de quando ele contou sobre a esclerose múltipla para a família dele? Na conversa que tive com ele para esse episódio, eu pedi para o Gustavo contar de novo.

Gustavo: Quando eu recebi o diagnóstico, eu estava sozinho no consultório médico. Saí do consultório, cheguei em casa e falei: ‘pessoal, tenho uma notícia para dar para vocês. Aquilo que a gente achava que podia acontecer de fato é, eu tenho esclerose múltipla’. Minha mãe, como uma boa espanhola, aquela coisa que sofre, vibra, tudo aos extremos, ela saiu chorando e foi para o quarto dela. Eu dizia assim: ‘mãe, não vai ficar pesquisando sobre esclerose múltipla, só tem coisa errada na internet’. Eu já tinha feito o teste e apareciam umas imagens de pessoas acamadas, na cadeira de rodas, triste, sofrimento. Mas não adianta, né? Minha mãe estava lidando com um diagnóstico do filho dela e, de certa forma, o próprio diagnóstico. E dali, não sei, a meia hora, ela volta no meu quarto, chorando, soluçando, aos prantos, aquela lágrima pesada que escorria pelo rosto e ela me perguntava se eu ia morrer. Ela fez essa pergunta. Ela perguntou: ‘você vai morrer, filho?’

Ludimila: Essa cena…

Teve outra coisa nessa conversa mais recente que eu tive com o Gustavo que me chamou atenção. Ele disse que o diagnóstico veio diretamente para ele e indiretamente para a mãe, o pai e as irmãs, que tinham de lidar com essa realidade também. Depois de sair do consultório, ele apenas comunicou à família que tinha esclerose múltipla, mas ele não contou como se sentia com tudo aquilo. Para proteger a família do sofrimento, ele preferiu esconder como a doença o afetava, uma estratégia que, mais tarde, ele percebeu ser ineficaz. Até chegar ao ponto de compartilhar o diagnóstico, foi preciso passar por um processo de cura.

Gustavo: Mas como todo processo de cura, você primeiro precisa manifestar a doença, você precisa aceitar que ela existe.

Ludimila: Essa jornada de aceitação envolve cuidados com a saúde mental da pessoa afetada pela esclerose. Um estudo publicado em 2019 na revista Fisioterapia e Pesquisa, da Universidade de São Paulo, avaliou a qualidade de vida de cem pessoas com esclerose múltipla. As pesquisadoras Maria da Conceição Nascimento da Silva e Dominique Babini Albuquerque Cavalcanti, do Estado de Pernambuco, identificaram que 63% dos indivíduos apresentavam fadiga, 43% apresentavam ansiedade e 48%, depressão.

Outro estudo, publicado em 2020 na revista científica Psique, da Universidade Autónoma de Lisboa, mostrou como a ansiedade e a depressão interferem na qualidade de vida de pessoas com esclerose múltipla. Foram avaliadas 40 pessoas com a condição que disseram se perceber com ansiedade, depressão ou ambas. Esse tipo de amostra, com um número pequeno de participantes do estudo, é comum e consiste em selecionar pessoas que estão prontamente disponíveis. No caso, elas faziam parte da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla.

Ana Maria Canzonieri: Só por ser uma doença crônica, uma doença que é diagnosticada entre os 20 e 40 anos, principalmente, uma idade produtiva, idade em que a pessoa está constituindo família, tendo filhos, iniciando uma carreira, isso pode levar a pessoa, ao receber o diagnóstico, a ficar bastante preocupado, ansioso, deprimido. Essa amostra pequena

Ludimila: Quem fala agora é Ana Maria Canzonieri, enfermeira e psicóloga com mestrado e doutorado em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp. Eu conversei com ela por meio de uma plataforma online, e o áudio ficou originalmente baixo mesmo, mas a gente fez o possível pra ficar na melhor qualidade aí pra você. Bom,  além de pesquisar sobre esclerose múltipla, a Ana Maria tem experiência como psicóloga clínica no atendimento de pessoas com a doença, e integra o Projeto Múltiplos Olhares, que se propõe a discutir a incidência e as problemáticas relacionadas à esclerose múltipla.

Ana Maria Canzonieri: Se a gente for verificar em alguns estudos científicos, falam da quantidade de pessoas, percentuais, como se dá essa questão da depressão, da ansiedade e, inclusive, de quadro de bipolaridade. Há possibilidades maiores de se desenvolver esses quadros se comparado proporcionalmente com pessoas sem esclerose múltipla. Então, por isso, é muito importante desde o início do diagnóstico esse preparo para a saúde mental. É necessário o acompanhamento psicológico para ajudar no enfrentamento, na avaliação da presença de ansiedade, depressão ou de alterações cognitivas, é importante um trabalho de preparar para a compreensão, a aceitação de como lidar com a doença, porque quando se sabe lidar com a doença, se entende, se compreende, se aceita, é muito mais fácil o tratamento. Quando existe todo um processo de raiva, de negação, é muito mais difícil se alinhar para bons resultados.

Ludimila: A pesquisadora destaca que não só a pessoa com esclerose precisa desse acompanhamento psicológico como a família dela também. Afinal, como o Gustavo disse, a família também recebe o diagnóstico, mesmo que indiretamente.

Outro ponto importante sobre esclerose múltipla e saúde mental é que a própria desmielinização – que é o dano causado à mielina, lembra? – a própria desmielinização pode afetar áreas ligadas ao nosso estado emocional e contribuir para o desenvolvimento de transtornos mentais. A Ana Maria explica isso.

Ana Maria Canzonieri: O que ocorre na desmielinização é que as zonas preferencialmente brancas do cérebro, que contêm mais mielina, são mais atingidas. Esse conjunto de área branca, ela tem algumas características importantes, porque passa o sistema límbico, que é o que controla a nossa parte emocional. Se isso ocorre em zonas do cérebro da cadeia do sistema límbico, pode sim interferir e desencadear uma depressão, um quadro de ansiedade, um quadro de bipolaridade.

Ludimila: Mas aqui vai um alerta. A gente não pode dizer que a esclerose múltipla é a única e exclusiva causa de uma depressão ou ansiedade. Esses transtornos mentais têm causas variadas e podem ser influenciados por fatores comportamentais, sociais e até genéticos. Além disso, os estudos que mostram a presença de depressão e ansiedade em pessoas com esclerose múltipla geralmente avaliam o momento depois do diagnóstico da esclerose. Então, pode ser que havia ali, adormecida, uma predisposição ao desenvolvimento do transtorno mental e a esclerose foi uma espécie de gatilho para que esse transtorno se manifestasse.

Outro detalhe sobre os sintomas da esclerose que envolve também saúde mental é que alguns dos sintomas podem não ser compreendidos pelas outras pessoas e levar a um estigma, um preconceito, contra quem tem esclerose múltipla. Por exemplo: o neurologista Marcos Aurélio disse que a doença pode afetar o equilíbrio e fazer a pessoa andar meio cambaleando, como se estivesse alcoolizada. Tremores no corpo também podem ocorrer e isso atrai olhares, na maioria das vezes negativos. A pessoa sente dores e geralmente fica muito tempo acamada, sentada e as pessoas podem achar que isso é preguiça. Todo esse preconceito e estigma pode comprometer a saúde mental dos pacientes e até interferir no tratamento, justamente por essa questão emocional envolvida. E por isso, o acompanhamento por profissionais da saúde mental também é muito importante.

Ludimila: Ainda na época do diagnóstico, o Gustavo tinha sinais e sintomas emocionais e psicológicos que só se materializaram depois. Em 2019, oito anos após a confirmação da esclerose, ele foi diagnosticado com TDAH, que é o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade. Em seguida, veio a depressão e, por fim, em 2021, veio a comprovação do transtorno de ansiedade generalizada com traços de obsessão e compulsão. Sabe aqueles oito meses que ele ficou no limbo e passou a viver tudo intensamente, na pressa, achando que o tempo estava acabando? Então, já eram indícios desses transtornos mentais.

Gustavo: O momento que eu percebi que o diagnóstico não era o fim da vida e sim, talvez um começo, ou recomeço, foi quando eu percebi uma melhora no meu corpo. Isso é esclerose múltipla, principalmente na forma remitente recorrente, né?

Ludimila: Aqui eu vou abrir um breve parêntese. A forma remitente recorrente é uma das formas como a esclerose múltipla se manifesta. Nesse caso, um novo sintoma pode aparecer ou um sintoma já existente pode ficar mais forte por um período maior do que 24 horas. Esse sintoma pode continuar por poucos dias ou semanas e depois sumir, o que é chamado de remissão do sintoma.

Existem outras formas de manifestação da esclerose: a primariamente progressiva, que é o progresso contínuo da doença, de forma lenta, com ou sem a presença de surtos; e a secundariamente progressiva, em que depois de um período de dez a 20 anos do diagnóstico, a doença evolui significativamente, é mais difícil se recuperar dos surtos e há uma redução mais acentuada das funções do sistema nervoso central.

Fechando o parêntese, a gente volta pro Gustavo falando agora sobre quando ele percebeu que o diagnóstico não era o fim da vida.

Gustavo: No meu caso, ela voltou a quase ao zero, estava super bem e aí você então pensa: ‘Ufa, passei por essa’. E aí, com a calma de quem está se sentindo bem, você vai buscar, então, entender o sentido da esclerose múltipla.

Ludimila: Para o Gustavo, estava evidente o sentido da esclerose múltipla na vida dele. Depois de ressignificar o medo, a impotência, as inseguranças, de cuidar mais e melhor da saúde mental, ele transformou a experiência do diagnóstico na organização Amigos Múltiplos pela Esclerose, mais conhecida como AME, que completa dez anos em 2022.

A AME é uma associação de pacientes, uma organização sem fins lucrativos que reúne pessoas e instituições ligadas à causa da esclerose para disseminar conhecimento sobre a doença e contribuir para o diagnóstico precoce, tratamentos adequados e influenciar políticas públicas a favor dos pacientes.

Gustavo: Então, pra mim, estava claro que eu precisaria produzir conteúdo de qualidade, um conteúdo sério, com embasamento científico, mas que não desse um prognóstico de doença e sim prognóstico de vida, né? Existe vida com diagnóstico. E hoje até completo: ela pode ser muito boa, como é a minha.

Ludimila: Existe vida com diagnóstico. Existe vida com mais saúde.

Gustavo: Aí, me surgiu a vontade de compartilhar informação para que outras mães de ‘Gustavos’ não perguntassem para os seus filhos se eles iriam morrer.

Ludimila: Com o trabalho na Amigos Múltiplos pela Esclerose, outras pessoas foram chegando e com elas, necessidades de ajuda, de informação foram surgindo também. Algumas questões não eram só relacionadas à esclerose, elas afetavam pessoas com outras doenças crônicas. O desafio foi se tornando maior, então, Gustavo fundou outra associação, a Crônicos do Dia a Dia. A proposta é ajudar pessoas com diferentes doenças crônicas a partir de uma estratégia que ele já tinha validado com o funcionamento da AME.

Ludimila: E se por acaso você está se perguntando como é a vida do Gustavo com esclerose múltipla, ela é tão atribulada quanto a de qualquer outra pessoa que trabalha, tem família pra cuidar e contas pra pagar. A diferença é que ele foi reconhecido, em 2018, como um dos cinco líderes de pacientes mais influentes do mundo – que aí já não é para qualquer pessoa, né?

Gustavo: O Gustavo pessoa física, depois do diagnóstico, virou pai, sempre foi o sonho, sempre foi o meu sonho. O Gustavo que trabalha para duas associações de pacientes, ele vive desafios gigantescos, desafio de agenda, desafio de sobrecarga de trabalho. Às vezes 16 horas de trabalho por dia, final de semana. As associações cresceram, hoje nós somos em 32 colaboradores lá, então já tô pensando na folha de pagamento do fim do ano, coisas que me geram muita ansiedade. Eu que tenho ansiedade diagnosticada acabo lidando e sendo mais prejudicado pelos diagnósticos psiquiátricos, então depressão e ansiedade, mais do que a esclerose múltipla. Eu só lembro da esclerose múltipla hoje três vezes por semana quando eu abro a geladeira antes de dormir para tomar o meu remédio.  Esse Gustavo, ele é mais impactado em qualidade de vida do que o Gustavo que tem esclerose múltipla, que é aquele Gustavo que achou que não poderia ser pai.

Ludimila: Por falar em remédio, o tratamento da esclerose múltipla foi evoluindo com o tempo. No geral, são usados medicamentos que tentam regular aquele efeito do sistema imunológico de se voltar contra o próprio corpo. Eles também agem de forma anti-inflamatória e tiram da circulação sanguínea componentes para evitar que os sintomas fiquem mais graves.

Marcos Aurélio: Então, hoje a gente tem um arsenal significativo de drogas que a gente pode usar na esclerose múltipla, mais de 10 drogas, seguramente, com eficácia comprovada.

Ludimila: Alguns medicamentos estão disponíveis pelo Sistema Único de Saúde, o SUS, de forma gratuita. Mas os tratamentos podem mudar ao longo dos anos, seja porque o conhecimento sobre os remédios foi atualizado pela ciência ou porque há novos resultados. E aí, tem um impasse: os novos tratamentos podem levar, no mínimo, um ano para serem incorporados ao SUS, fazendo com que os pacientes demorem também a ter os medicamentos de forma mais acessível.

Além dos remédios, como a esclerose afeta diferentes funções do corpo, é importante que a pessoa faça um acompanhamento também com diferentes profissionais da saúde. O principal deles é o médico neurologista que vai trabalhar com fisioterapeutas, psicólogos, oftalmologistas, ortopedistas e outra especialidade que seja necessária para cuidar de cada pessoa.

Ludimila: No fim da conversa com o Gustavo, eu fiz uma pergunta que você vai me ouvir repetir nos próximos episódios e que tem muito a ver com o propósito desse podcast. Afinal, o que o Gustavo faz para ter uma vida com mais saúde?

Gustavo: Para ter uma vida com mais saúde. Essa pergunta é quase que profunda. Eu não sei por quanto tempo eu vou conseguir seguir sendo produtivo e enquanto eu sou, estou produtivo, eu preciso, enfim fazer a minha vida. Eu tenho filho. Então, eu acabo me sobrecarregando. Quando você me pergunta isso, você me leva para esse lugar do ‘eu preciso me exercitar mais, eu preciso comer melhor, eu preciso…’ É muito… Dói afirmar isso para você, mas a resposta é: eu precisaria fazer tudo. Acho que o desafio é mais desse Gustavo profissional do que do Gustavo com esclerose múltipla.

Ludimila: Esse foi o primeiro episódio do podcast Vida com Saúde, que falou sobre esclerose múltipla, que é o foco da campanha Agosto Laranja, mês de conscientização sobre a doença. O podcast Vida com Saúde é um projeto desenvolvido para o curso de pós-graduação em Jornalismo Científico do Labjor, da Unicamp, com idealização, produção, reportagem e roteiro feitos por mim, Ludimila Honorato. A orientação e revisão do roteiro é de Simone Pallone, coordenadora do podcast Oxigênio. A edição foi feita por Ludmila Samara. Temos também o apoio do Serviço de Apoio ao Estudante.

Na descrição desse episódio, você tem acesso aos principais artigos científicos consultados para a elaboração desse roteiro e a fonte das trilhas sonoras utilizadas aqui.

Você pode ver mais conteúdos sobre esclerose múltipla e acompanhar a divulgação dos próximos episódios no perfil do Vida com Saúde no Instagram. É só procurar por @umavidacomsaude.com.br. Até a próxima!

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