#193 – Série: O que é poluição luminosa? – Ep. 1 Aspectos gerais e seus impactos
abr 3, 2025

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A poluição luminosa é um tipo de interferência silenciosa nos padrões naturais e paradoxalmente, é uma poluição invisível. Invisível e invisibilizante! Esta é uma preocupação de astrônomos, mas também de qualquer cidadão que compreenda como o excesso de luminosidade no ambiente tem um impacto enorme sobre o desenvolvimento de diferentes espécies da fauna e da flora. O Oxigênio traz esta série que pretende provocar os ouvintes sobre este tema. O idealizador e produtor é o Marco Centurion, que produziu a  série como parte do seu Trabalho de Conclusão de Curso da Especialização em Jornalismo Científico, do Labjor. Neste primeiro episódio ele aborda aspectos gerais da poluição luminosa. Os entrevistados foram o Rodrigo Felipe Raffa, Cledison Marcos da Silva e Raone dos Reis Mariano.

No segundo episódio, Marco vai falar sobre como a luz artificial afeta a astronomia, e no terceiro, o tema serão os impactos dessa luminosidade excessiva para a natureza. Acompanhe!

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Roteiro

[Trilha de abertura com a trilha “’Six Coffin Nails’ by Kerosyn Electronic Metal Music (No Copyright)”].

Narração: Com um planeta cada vez mais iluminado, a humanidade vem perdendo a conexão com uma lindíssima cena que nos acompanhou por quase toda a nossa história na Terra: uma bela noite de céus limpos e estrelados.

Rodrigo Felipe Raffa: Olha a poluição luminosa, ela é um. É um. É um dos graves problemas do crescimento urbano, mas principalmente da má gestão, né? Dessa iluminação pública. Porque, de certa forma, é um desperdício de energia. E quando você percebe que a iluminação está indo para cima. Não iluminando nada, sendo desperdiçada no espaço, prejudicando o meio ambiente, porque a gente sabe que alguns animais são prejudicados pela problemática da poluição luminosa. Então eu vejo um problema muito maior do que o problema da astronomia em si.

Narração: A poluição luminosa, tema central deste podcast, é um problema silencioso, invade nossas vidas de forma sorrateira e interfere em ecossistemas, com consequências que vão muito além da simples perda da beleza do céu. Muito além do visível

Cledison Marcos:  Bom, a gente sempre vê qualquer tipo de poluição como prejudicial, né? No caso da poluição luminosa, do ponto de vista observacional, ela é completamente prejudicial, porque, como a gente depende de ver, quanto mais luz parasita tiver por ali, a gente vai ter dificuldade para enxergar o objeto mais apagado. Então meio que vai limitando a gente a atingir alvos que podem por ventura entrar em erupção. A gente não consegue ver por causa da luz, que não permite que a gente chegue lá. Inclusive, em algumas cidades ela pode prejudicar as observações a olho nu. No caso dos amadores, eles entram bastante com a parte da observação a olho nu de estrelas variáveis. Tem bastante estrelas variáveis a olho nu que de uma cidade, mais ou menos, com 100.000 habitantes, altamente poluída, a pessoa já não vai conseguir ver. Então vai meio que levando essas observações exclusivas para as pessoas que moram longe dessas áreas com maior índice de poluição luminosa.

Marco Centurion: Meu nome é Marco Centurion e neste episódio, exploraremos do que se trata a poluição por luz artificial, como o seu excesso afeta nossa visão do céu noturno e o impacto na vida animal.

Narração: A humanidade teve na maior parte da sua história na Terra, um ambiente com iluminação regulada principalmente pela luz solar. O controle do fogo permitiu o prolongamento do tempo sob luzes de fontes não solares. Contudo a mudança dramática do tempo exposto a iluminação foi alterada mesmo quando a eletricidade foi dominada. A facilidade que a eletricidade permitiu aos humanos no manejo do mundo nos períodos noturnos, alterou completamente as paisagens. Os humanos, esticaram suas horas de atividade com luzes que simulam perfeitamente a luz solar. Consequentemente, toda a fauna e flora no entorno da atividade humana teve de seguir essas alterações nos padrões naturais. A essas luzes que iluminam os períodos com ausência de iluminação natural solar, dá-se o nome de luzes artificiais. A questão chave aqui é o excesso dessas luzes artificiais!

Raone dos Reis: Quando a gente fala em poluição a gente precisa entender que poluição está muito atrelado a excesso. Tudo aquilo que é em excesso faz mal. Então, se eu falo de poluição luminosa, eu estou falando de excesso de luz. Ou o mau uso dessa luz. Quando nós estamos viajando e estamos chegando perto de uma cidade, um grande centro urbano, principalmente à noite, a gente já observa de longe aquela mancha alaranjada no céu. Essa mancha alaranjada no céu são basicamente toda luz que é mal direcionada. Essa luz, ela se propaga pelo céu e reflete nas nuvens. Parece bobo, mas esse tipo de fenômeno que ocorre, essa iluminação que acaba ali refletindo nas nuvens, ela traz inúmeros impactos.

Narração: Raone dos Reis Mariano é biólogo pela UFSCar e em suas pesquisas, conseguiu perceber impactos em diversas espécies animais

Raone dos Reis: Primeiro. Os principais impactos. A poluição luminosa, ela tem um aspecto de repelir algumas espécies, então eu acabo ocasionando a extinção local. E ela também tem um outro aspecto de atrair outras espécies. Então, por exemplo, alguns tipos de besouros, alguns tipos de coleópteros, eles são atraídos pela lâmpada, pela luz, né? Principalmente essa luz que nós temos aí, de sódio de alta pressão, que é essa mais alaranjada, e também onde há alguns tipos de insetos, também ocorre alguns tipos de predadores. Então aranha, lagarto, lagartixa, sapo e todos esses animais passam a viver próximo desses postes, dessas fontes de iluminação artificial. Ao passo que outras espécies que são repelidas automaticamente já não existem mais ali. Hoje, se a gente for conversar com uma criança aí que já tem, esteja vivendo, né? Uma criança, talvez até 12 ou 15 anos, que teve toda sua vida, toda sua trajetória de vida em ambientes urbanos mais extensos, essa criança talvez nunca viu um vagalume em sua vida. E isso é um negócio muito alarmante, né? A gente fica até um pouco assustado assim, porque a gente sabe que todos os animais possuem sua função dentro do ecossistema. Eu me recordo que quando estudava algumas espécies de vagalumes, eu sempre observei muitos vagalumes em flor. Até não sei se há, aí, algum tipo de aspecto de polinização, por exemplo, como as abelhas fazem, como alguns morcegos fazem. Mas eu sei que os vagalumes são visitantes florais, então assim, eles possuem a sua, a sua função, né? E então o desequilíbrio é muito forte e o impacto não é exatamente só no local onde tem a iluminação, como eu trouxe anteriormente. Falando dessa luz que irradia para a nuvem, essa nuvem, ela vai refletir a luz até dezenas de quilômetros de distância. E isso pode também provocar ali um efeito de extinção local. Eu me recordo que quando eu fazia coletas, mesmo fazendo coletas lá no campus da UFSCar, e o campus fica a uma distância mais ou menos aí de 7 a 10 km de Sorocaba. Mesmo nessa distância, quando as nuvens estavam mais baixas e tinham esse processo de refletância e ficava muito claro o campus, eu estava no meio do mato, com um monte de ambiente muito claro, muito iluminado. Então, ainda mesmo que não seja no local, ocorre. Há o aspecto de poluição luminosa à distância. Então é um negócio muito irradiante.

[Vinheta: fade-in da faixa “Final Confrontation”]

Narração: A poluição luminosa é um tipo de interferência silenciosa nos padrões naturais e paradoxalmente, é uma poluição invisível. Invisível e invisibilizante! – 

Rodrigo Felipe Raffa: Quando nós buscamos por áreas de observação, nós sempre tentamos ir a regiões já conhecidas, recomendadas para que a gente possa oferecer segurança e condições de observação. Recentemente nós tivemos que encontrar uma região de baixa poluição luminosa para fazer um projeto de observação de estrelas variáveis no ano 2019, 2020. E nós recebemos a recomendação do bairro da Conceição, aqui em Itapetininga, na área rural, onde alguns conhecidos nos informaram que era uma boa região de observação. E aí a gente foi observar. Fomos fazer alguns testes e realmente uma uma poluição bem baixa, apesar de ela ainda persistir, principalmente pelas indústrias que ficam na rodovia e elas tem um sério problema de iluminação. Mas como ainda havia um certo afastamento. Ou as condições dos seus eram bem melhores do que lá no centro. Mas mesmo assim você não encontra aqui na nossa região um ponto totalmente limpo, né? A gente até encontra alguns pontos ali melhores de se observar, mas perfeito, né? Ou em condições de boa, de boa adaptação. Você já tem um pouco mais de dificuldade, Então em vários pontos da nossa, da nossa cidade, nós temos alguma interferência de iluminação que atrapalham bastante a o encontro de novas áreas. Pensando até, numa possibilidade de construir um observatório.

Narração: Você acabou de ouvir o astrônomo amador Rodrigo Felipe Raffa. Rodrigo é físico e dirige o Clube de Astronomia Centauri localizado na região de Itapetininga. Em sua experiência, Rodrigo relata que por diversas vezes teve que repensar o local de observação astronômica devido aos altos índices de iluminação artificial. 

Rodrigo Raffa: A observação com o telescópio em uma cidade grande, ela tem a interferência da luz externa que acaba entrando dentro do equipamento, dentro do telescópio, e isso faz com que a gente perca um pouco de qualidade, porque a luz provinda das estrelas acaba interferindo com a luz externa. Então, num eventual processo de fotometria de registro com uma câmera, nós perdemos algumas informações. E é isso, considerando aí a uma atividade mais profissional de astronomia, é extremamente, extremamente delicado. Mesmo em uma condição de de atividade de divulgação com um público já apenas querendo apreciar a beleza das estrelas, nós temos também uma algumas dificuldades envolvendo alguns, alguns objetos celestes. Então acaba que num clube de astronomia em uma cidade maior, a opção por objetos a serem explorados e ficam ali por observar a Lua, alguns planetas que estejam em oposição, um pouco mais brilhantes, mas se perde a chance de observar algumas nebulosas, algumas galáxias, alguns aglomerados que são um pouco mais apagadinhos. Quando nós vamos a a público e o é o público, eventualmente nem todos conhecem os limites e as potencialidades dos telescópios, nós temos ali uma uma desilusão, né, dos participantes, porque eles acabam olhando para alguns corpos e perguntando né “Po. Mas eu queria observar a galáxia de Andrômeda, né?” E às vezes não é nem questão de ponto de observação, de coordenada, mas sim de de limitação através do equipamento, que está em uma condição um pouco mais limitada pela poluição luminosa. Aqui em Itapetininga, se a gente for para um local mais afastado, nós já conseguimos observar alguns objetos mais mais escuros, né, com uma magnitude maior. Mas novamente, a você reunir esse esse conjunto de interessados e de apaixonados pela astronomia, já fica uma uma questão mais complicada pensando na logística, né? Então, fazer o público vir a um local mais afastado para observar não é fácil, né? Então, dentro do nosso clube a gente consegue, mas trazer a população para uma região rural para observação já é mais delicado e já traz algumas limitações de espaço.

[Vinheta: fade-in da faixa “atmospheric-soundscape”]

Narração: Cledison Marcos é físico, pedagogo e possui uma vasta atuação na astronomia, amadora e profissional, com diversos estudos sobre estrelas variáveis e descobertas de exoplanetas. Cledison, assim como Rodrigo, nos conta que por depender de realizar observações ópticas, a escolha do local das observações precisa levar em consideração os níveis de iluminação artificial.

Cledison Marcos: O local de observação é completamente fundamental, porque, como eu disse, a gente é uma área literalmente observacional. A gente está em contato direto com o céu, você tá olhando para ele. Então, a gente depende de ver o objeto na prática visual. Pode acontecer de uma estrela não tão brilhante ali em torno de magnitude quatro cinco em alguns lugares. Ela não pode ser visto a pessoa não conseguir realizar observações dessas estrelas e ter que se destacar. Tem que se dedicar as estrelas mais brilhantes

Narração: A magnitude aparente de uma estrela é uma maneira de classificar as estrelas através de seu brilho, sendo as estrelas mais brilhantes classificadas com as menores magnitudes, e por sua vez, as menos brilhantes com maiores magnitudes. Essa escala também pode ser aplicada a objetos celestes que não emitem luz própria, como a Lua ou um planeta

Cledison Marcos: No caso Betelgeuse, que fica ali próximo de um, zero. Algol, então ela vai acabar limitando o próprio local. Tanto o local de observação quanto as condições desse local. Elas podem inclusive limitar a pessoa e ela não poder fazer tanto quanto ela desejaria, então meio que limita as possibilidades da pessoa.

Narração: Com este problema posto, as atividades tanto de um clube de astronomia para fins de divulgação científica, quanto de observações dos céus para fins de pesquisa, não podem esperar uma solução definitiva para seguir acontecendo. Desta forma, os astrônomos precisam lançar mão de algumas estratégias…

Cledison Marcos: Uma estratégia que a gente usa é dar um descanso para o olho, né? A gente fica ali pelo menos 15 minutos com o olho no escuro, para a gente conseguir adaptar o nosso olho à escuridão e conseguir enxergar mais objetos e a poluição luminosa, e uma certa forma, ela interfere sim, porque com mais luz o objeto vermelho ele tende a ficar mais vermelho, o vermelho dele tende a ficar mais forte. Então, no caso, a própria lua, né? Observações visuais de estrelas vermelhas não é indicado em local com poluição luminosa, então uma tática interessante é evitar estrelas vermelhas em locais com uma poluição luminosa maior, e sempre dar um descanso para o olho antes de começar as observações, já pra começar com o olho acostumado à escuridão e com resultado, conseguir enxergar mais objetos.

[Vinheta: fade-in da faixa “Final Confrontation”]

Narração: Porém e quanto a vida selvagem? Quanto aos animais que dependem de um local realmente escuro à noite?

Cledison Marcos: Isso afeta inclusive a vida animal. Isso afeta inclusive a fauna. Ah, posso falar como alguém com experiência sobre isso, porque eu moro numa cidade pequena. Minha cidade tem 5000 habitantes e há dez anos atrás eu cansava de ver vagalume. Hoje eu não vejo mais, né? Então a gente sabe que tem um fator por trás disso e que está ligado à poluição luminosa, claro.

Raone dos Reis: É, com relação aos vagalumes, de um modo geral, a bioluminescência que eles produzem, que eles possuem, eles utilizam para funções biológicas e dentre essas funções biológicas, a que é mais comum de se ver, de se observar, é a comunicação. E essa comunicação muito em função de acasalamento. Quando eu tenho um ambiente com poluição luminosa, quando eu tenho um ambiente onde tem ali um poste de luz, um ponto de luz, eu acabo inibindo essa comunicação. Não havendo comunicação. Eu estou além de repelir, né? Eu também estou evitando com que haja o acasalamento ali dessas espécies. Então, naquele ambiente vai ocorrer a extinção local desses, dessa espécie, né? E esses indivíduos vão se afugentar em outros lugares. Como a gente está falando de insetos, né? Bichinhos pequenininhos, com curto espaço de vida, não tem, às vezes é espaço tempo para ele se acasalar em outro local. Então, eu, além de ocasionar a extinção local, estou ocasionando uma extinção regional. Então, isso acaba sendo muito sério, muito prejudicial.

[Vinheta: fade-in da faixa “Cinematic Documentary Chill by Infraction [No Copyright Music] _ Moments Passed”]

Narração: Essa contaminação luminosa não apenas apaga as estrelas; ela interfere na rotina de incontáveis espécies, desde aves migratórias até insetos essenciais para o equilíbrio ecológico. Cada luz acesa mal direcionada representa um passo para longe do equilíbrio entre o ser humano e a natureza. O brilho excessivo por luzes artificiais não é inevitável; é uma escolha que fazemos ao iluminar mais do que o necessário. Mas também é uma escolha que podemos reverter. Repensar o uso da luz é devolver à natureza o equilíbrio e nos devolver um céu estrelado. Que esse seja o nosso compromisso com o planeta e com as futuras gerações.

Rodrigo Raffa: É importante lembrar que o ser humano só conseguiu se desenvolver como sociedade, observando para as estrelas e percebendo padrões que associaram, aí, às estações do ano. Então, perder esse contato com as estrelas, de fato, é perder esse contato com a ancestralidade. Mas também é uma questão de padronização, de tempo, de estações e que levam a gente a perder ali qualquer parâmetro que nós utilizávamos dos céus.

Narração: Este episódio foi produzido, roteirizado e apresentado por mim, Marco Centurion, como parte do trabalho de conclusão do curso de Especialização em Jornalismo Científico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, o LabJor, da Unicamp. Para a produção deste episódio foram entrevistados o Rodrigo Felipe Raffa, Cledison Marcos da Silva e Raone dos Reis Mariano.

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