#201 – Um bate-papo sobre café
set 25, 2025

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Neste episódio, você acompanha Mayra Trinca e Lidia Torres em uma conversa sobre uma pesquisa de percepção de mudanças climáticas com cafeicultores. A pesquisa faz parte do projeto Coffee Change, parte de um grande projeto interdisciplinar sediado na Unicamp. Ao longo do episódio, as professoras Simone Pallone e Claudia Pfeiffer explicam mais sobre suas pesquisas e falam sobre as vantagens do método utilizado: os grupos focais. Participa também do episódio Guilherme Torres, doutor em Geografia, que participa do projeto e acompanhou o grupo nas pesquisas.

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ROTEIRO

MAYRA: Foi. Então agora que eu aprendi a usar esse gravador, onde é que a

gente tá indo?

SIMONE: A gente tá indo pra Espírito Santo do Pinhal.

MAYRA: E o que que a gente tá indo fazer lá?

SIMONE: Vamos fazer um grupo focal com produtoras de café. Dessa vez a gente vai fazer um grupo só de mulheres produtoras, cafeicultoras. 0:25 [encerra áudio]

MAYRA: Na verdade, eu ainda não tinha aprendido a usar o gravador.

MAYRA: e aí eu gravei um monte de coisa legal e descobri que eu não tava gravando

LIDIA: Mas, calma, fica aqui, a gente ainda tinha um tempo de viagem pela frente e regravamos tudo que foi falado de interessante.

MAYRA: E é isso que vamos te contar aqui agora. Eu sou a Mayra Trinca.

LIDIA: E eu sou a Lidia Torres. Nesse episódio do Oxigênio vamos te falar como são feitas algumas das pesquisas que investigam a relação de produtores de café com as mudanças climáticas. Elas fazem parte do programa Coffee Change, que é um braço do grande projeto interdisciplinar, BIOS.

[VINHETA: Você está ouvindo Oxigênio, um programa de ciência, cultura e tecnologia]

LIDIA: Naquele dia, a gente tava a caminho da cidade Espírito Santo do Pinhal…

MAYRA: pra acompanhar a parte de uma pesquisa que a professora Simone Pallone faz parte, que é a coordenadora aqui do Oxigênio. Então, você vai ter a possibilidade ilustre de ouvir a voz da Simone, que sempre foge dos microfones.

MAYRA: Pinhal, pros íntimos, é uma cidadezinha no interior de São Paulo, quase chegando na divisa do Sul de Minas Gerais. “A gente” era eu, a Lidia, a Simone e o Guilherme, que vocês vão conhecer daqui a pouco.

LIDIA: O objetivo da visita era fazer o terceiro grupo focal de um estudo que está em andamento, coordenado pela professora Claudia Pfeiffer – que ainda vai aparecer nesse episódio – e que a Simone também participa.

MAYRA: Então, Simone, explica pra gente o que é um grupo focal.
SIMONE: Bom, grupo focal é uma técnica de pesquisa usada bastante nas áreas de comunicação, de ciências sociais, na área de saúde também, que você reúne um grupo de pessoas, que aí você define que perfil vão ter esses participantes, pra tratarem, pra conversarem sobre um assunto determinado. Então, no nosso caso, a gente vai conversar sobre mudanças climáticas.

SIMONE: Então, eu vou procurar pistas em relação ao que esses produtores conhecem sobre ciência e tecnologia, como os conhecimentos deles sobre ciência interferem na interpretação deles sobre as mudanças climáticas, e também sobre como eles se informam sobre isso, como eles se informam a respeito de ciência e tecnologia, em quem eles confiam para se informar sobre essas questões, e quais são as atitudes, como eles se preparam para enfrentamento dessas questões, ou o que eles estão dispostos a fazer em prol de atender, de mitigar os efeitos, ou se adaptar aos efeitos que eles identificam sobre mudanças climáticas.

MAYRA: Você deve ter percebido uma diferença grande na qualidade desse áudio da Simone agora. É que depois do Grupo Focal, a gente sentou de novo no estúdio aqui do Labjor pra conversar mais e entender alguns pontos importantes que surgiram depois da nossa ida pra Pinhal.

LIDIA: A gente pediu pra Simone explicar melhor como é possível investigar essas questões, que são hipóteses de pesquisa, através de uma roda de conversa entre produtores.

SIMONE: A gente lança algumas perguntas e, na discussão, na conversa, conforme eles vão respondendo e interagindo com as respostas de outras pessoas que estão fazendo parte do grupo, a gente vai formando uma opinião sobre o que eles entendem, como eles estão agindo, como eles estão se informando, para que a gente tenha instrumentos também para oferecer alguma coisa que possa ajudá-los.

MAYRA: Então, em cada grupo focal, e foram 3 nessa pesquisa, as pesquisadoras levantaram algumas perguntas disparadoras, que serviam pra começar uma conversa sobre um determinado tópico.

LIDIA: Conforme as pessoas vão respondendo e conversando entre si, se complementando, a pesquisadora vai anotando os pontos chaves que percebe, quais comentários se repetem, o que aparece de diferente ou surpreendente.

MAYRA: Ah, e o encontro do grupo é filmado também. Porque daí é possível voltar pra esse vídeo depois e captar mais detalhes da conversa, reconhecer quem tá falando, quais pessoas conversam mais entre si e até as expressões faciais e movimentos durante a fala que ajudam a entender os sentimentos envolvidos ali.

LIDIA: Mas é importante dizer que esse vídeo não é divulgado, assim como a gravação do grupo. Antes da pesquisa, todas as pessoas que forem participar tem que autorizar o uso desse material, através de um termo de consentimento livre e esclarecido

SIMONE: Que é um termo que tá justificando, explicando o que é pesquisa, justificando os objetivos e quais são os procedimentos. E a gente dá a certeza para a pessoa que a gente não vai usar essas informações, essa participação dela em em em outras coisas que não sejam essa pesquisa.

MAYRA: Ainda assim, a presença da câmera e do gravador pode ser um ponto de preocupação pra algumas pessoas. A Lidia mesmo tava me contando no carro, indo pra Pinhal, que antes de trabalhar com grupos focais, ela não gostava muito da ideia.

MAYRA: Lídia, por que antes você não amava grupo focal?

LIDIA: Porque eu ficava preocupada, assim, eu nunca tinha participado de um, eu nem conhecia o termo, e eu achava que essa coisa de filmar, de gravar, de reunir várias pessoas junto, podia viciar a resposta de uma ou outra pessoa. Mas aí, quando eu participei do primeiro grupo focal, eu vi que, na verdade, as pessoas no começo tem mesmo esse receio, né, porque é equipamento, é câmera, é gravador, mas que tem qualquer pesquisa que a gente vai fazer, é um receio inicial, normal, mas depois as pessoas começam a conversar muito sobre o cotidiano, compartilhar informações, eu sinto que fica uma coisa mais afetiva até, mais próxima, assim, do que algumas entrevistas que a gente faz muito separado.

SIMONE: Eu acho que justamente essa é a vantagem do grupo focal na pesquisa de percepção, porque você deixa o ambiente mais à vontade, mais descontraído, quando a gente vai conversando e as pessoas comentam, fazem piadinhas, então, ali, no caso desses grupos que a gente está fazendo, são pessoas que geralmente se conhecem, e um vai puxando a memória do outro, mas lembra daquela seca que teve em 1900, não sei quanto, então, essa troca de informações também nos interessa, saber como o conhecimento vai se construindo ali na conversa, então é bem interessante, eu sou fã.

LIDIA: A Claudia Pfeiffer, uma das coordenadoras do projeto, que é pesquisadora no Labeurb, o Laboratório de Estudos Urbanos aqui da Unicamp, também falou pra gente sobre a importância do método do Grupo Focal pra melhorar a integração entre as pessoas que participam da pesquisa.

CLAUDIA: O que acontece é que o grupo focal permite que a conversa seja estabelecida entre os pares. Você sempre tem um momento ainda de desarranjo, de receios, ou mesmo vergonha de tomar a palavra. Mas, depois que a conversa anda, ela desanda justamente na possibilidade de um puxar um fio que o outro tece junto. Só o acontecimento do grupo focal eu já considero um acontecimento muito importante.

[TRILHA – Música “Bebida Preta” de Rudi Vilela]

MAYRA: Então, vamos lá… o Coffee Change é um projeto interdisciplinar da Unicamp que conta com pesquisadores das áreas de climatologia, agronomia, comunicação, linguística e economia. O projeto faz parte de um dos segmentos do eixo temático Agro do Centro BI0S, que também está sediado na Unicamp.

LIDIA: O projeto reúne várias áreas de pesquisa, mas que têm em comum um objetivo, que é investigar como as mudanças climáticas afetam a cultura do café e também trazer soluções para reduzir os efeitos das mudanças climáticas.

MAYRA: Uma das frentes desse projeto, que é coordenada pelas professoras, é sobre a Percepção Pública da Ciência. A Simone explicou pra gente um pouquinho sobre isso:

SIMONE: No nosso caso específico do Coffee Change, a gente, na verdade, está usando dois referenciais teóricos, que são da Análise do Discurso, porque é a área que é o campo de estudos da Cláudia Pfeiffer, que eu não domino, e o campo de estudos sociais da ciência e tecnologia, e da área de comunicação, que são os dois campos que eu costumo estudar.

LIDIA: Esse é outro ponto forte dos grupos focais, eles podem ser uma ótima ferramenta para pesquisas interdisciplinares, que se debruçam sobre um mesmo material, mas com olhares diferentes, gerando resultados que se complementam. Foi aí que a Claudia, que trabalha com Análise do Discurso, encontrou a Simone, que trabalha com Percepção Pública da Ciência, para embarcar nesse grande projeto que é o Coffee Change.

CLAUDIA: Então, eu sempre me refiro muito à pessoa, né, do pesquisador Dr. Jurandir Zulu Júnior, que foi o responsável por me trazer para a área das mudanças climáticas, né. Eu sou analista de discurso, trabalho há bastante tempo com políticas públicas.

CLAUDIA: E, quando surge a possibilidade desse grupo se configurar em torno desse grande projeto do BIOS, ele volta a me convidar para pensar especificamente agora as mudanças climáticas na relação com os produtores agrícolas, né. E aí, como a questão da percepção é muito forte na pesquisa da Simone Pallone, então, imediatamente eu também a convidei para a gente fazer essa parceria, apesar da gente ancorar a nossa análise em pressupostos teórico-epistemológicos distintos, né?

MAYRA: E, além de ouvir os produtores de café, os grupos focais também buscam oferecer palestras sobre cafeicultura, pra ter essa troca de conhecimento entre produtores e a Universidade Pública.

LIDIA: E falando de café, deixa a gente te apresentar mais uma pessoa que faz parte desse grupo de pesquisa.

[Divulgação do podcast parceiro – Vida de Jornalista – com Rodrigo Alves]

MAYRA: A gente já volta nesse ponto do Grupo Focal, eu queria dizer, como eu já disse antes, que eu estou num carro cheio de pessoas viciadas em café, então a Simone gosta muito de café, a Lídia gosta muito de café e o Guilherme me disse que gosta muito de café.

GUILHERME: Muito, muito de café.

MAYRA: Guilherme, se apresenta de novo para a gente.

GUILHERME: Meu nome é Guilherme Torres, eu sou geógrafo de formação, tenho graduação e mestrado em Geografia, estou no doutorado em Geografia também, no Instituto de Geociências da Unicamp e trabalho com mudanças climáticas, estatística e modelagem climatológica aplicada a áreas produtoras de cafés especiais pelo Brasil.

LIDIA: O Guilherme também trabalha no projeto BIOS, que abriga essa pesquisa da Simone e da Claudia. E veio com a gente pra Pinhal pra fazer uma apresentação sobre o clima da região e como as cafeiculturas podem usar esses dados pra cuidar melhor da sua produção.

MAYRA: Antes de continuar, tem duas coisas importantes que eu preciso te contar sobre esse encontro. A primeira, lembra, é que esse grupo focal que vocês estão acompanhando com a gente, foi feito apenas com mulheres produtoras de café. E a segunda, é que a Lidia, além de ter feito Jornalismo Científico aqui no Labjor, também tem um contato afetivo e de pesquisa com o café.

MAYRA: Agora que a gente está pegando entradas da cidade aqui, a Simone está prestando mais atenção no trânsito. Lídia, por que café? O seu mestrado já é com café, aí agora você está falando de café de novo, qual é a sua relação com café?

LIDIA: Eu sou de Cabo Verde, que foi a primeira cidade que o grupo fez, o grupo focal, eu ainda não conhecia, não tinha nem entrado no Labjor ainda e Cabo Verde é conhecida como a terra dos cafés especiais, então eu sempre cresci assim, eu cresci no meio de montanha de café, minha família vem da roça assim, de pequenos produtores.

GPS: Em 500 metros, pegue a saída 172 em direção a Espírito Santo do Pinhal, Santo Antônio do Jardim.

LIDIA: E aí quando eu venho pra Campinas assim, eu tenho esse choque de realidade, eu percebo que muita coisa que pra mim era muito comum aqui, sei lá, não tinha esse conhecimento de safra, de agora é florada, agora não é florada

[TRILHA – Música “Bebida Preta” de Rudi Vilela]

MAYRA: Isso que a Lidia falou é um ponto super importante desse tipo de pesquisa. Pra entender como as mudanças climáticas afetam grupos específicos, a gente tem que entender o dia a dia desse grupo.

SIMONE: eles têm uma noção muito maior do que a nossa, em relação a esse mundo específico, esse universo específico. Então, eles mencionam nas conversas que a gente teve: “tem tido mais enchente do que teve no passado. No passado, a seca durou muito mais do que o normal.” Ou, o sol… É engraçado, essa observação me chamou muita atenção no primeiro grupo, que o cafeicultor falou que a gente antes ficava no campo, na colheita ou no plantio, muito mais horas. Hoje, o sol é muito forte, a gente não consegue ficar. Então, eles percebem essas mudanças no dia a dia, na lida do campo.

SIMONE: Elas falam de muitos termos, muitas práticas, que eu nunca ouvi falar, não sou da área. Então, mesmo que eu leia 300 teses, talvez não apareça aquilo, porque a gente lê do ponto de vista científico, e às vezes não aparecem palavras que são usadas no dia a dia deles. Era o rapaz que leva os trabalhadores.

LIDIA: É o turmeiro.

SIMONE: Turmeiro.

LIDIA: As dinâmicas sociais também são elementos importantes de um grupo e interferem nas percepções que essas pessoas vão ter de um determinado fenômeno. Olhando para o atual cenário da produção de café, fez sentido para as pesquisadoras incluir um grupo que fosse composto apenas por mulheres.

SIMONE: Porque as mulheres estão entrando com bastante entusiasmo nesse campo da cafeicultura. Tradicionalmente a cafeicultura, a agricultura como um todo, é um campo muito masculino e as mulheres estão assumindo muitas dessas fazendas, da produção, do cultivo, em todas as etapas.

LIDIA: Fazer esse encontro só com mulheres produtoras também é uma forma de valorizar o caminho que elas têm trilhado pra ganhar espaço nesse meio do trabalho rural, que socialmente sempre foi muito estigmatizado em relação à participação das mulheres na linha de frente de trabalhos rurais.

SIMONE: E que nem sempre são ouvidas, porque são os maridos que tomam conta da atividade, o irmão, algumas ali nem eram casadas, mas falam, meu pai, estou herdando, estou continuando a atividade do meu pai, porque é um mundo ainda muito masculino. A gente percebe as mulheres entrando com força, com conhecimento, com ação. Então, acho que nesse grupo em especial, elas devem ter realmente se sentido felizes de serem ouvidas.
MAYRA: Eu conversei rapidinho com algumas mulheres que foram para o encontro do grupo focal, e elas me passaram bem essa ideia, escuta só:

PARTICIPANTE1: Principalmente por ser uma reunião exclusiva com mulheres, é muito positivo esses encontros, né, porque assim, a gente já evoluiu muito, mas tem muito que evoluir, né?

PARTICIPANTE2: Antigamente eram os homens, né, que estavam à frente. Hoje, as mulheres estão, estão liderando, sabe, e têm tanta capacidade quanto eles, né? Eu acho isso é muito importante, cada vez mais a gente tem participado de grupos, de conversação, só grupo de mulheres, eu acho muito importante e hoje foi especial.

SIMONE: Teve uma senhora, não sei se você lembra, que falou: “eu faço tudo sozinha, sou eu que estou tocando o negócio”. Tinha uma profissão, se aposentou e foi cuidar do café. “Não é marido, não é filho, não é irmão, sou eu”. Então, isso é muito bacana também, das mulheres estarem ocupando esse espaço.
MAYRA: A Simone e a Lidia me falaram bastante sobre isso no carro a caminho de Pinhal, sobre como as mulheres estão legitimando cada vez mais um trabalho que na verdade sempre fizeram.Vou deixar um trechinho aqui pra vocês ouvirem também.
SIMONE: Então acho que há muitos anos que a gente vê mulheres colhendo café. E agora elas estão assumindo as fazendas. São herdeiras, ou mulheres que mudaram de área, mudaram de profissão e foram se dedicar ao café.

LIDIA: Foi uma coisa que eu entrei um pouco no meu mestrado. Historicamente, o trabalho da mulher no campo sempre foi visto como uma ajuda, né, entre aspas. Então a mulher sempre esteve à frente de muitas coisas, pegando na parte do café, desde o plantio, da colheita, da torra, da venda, da secagem, de secar o café no terreiro. Mas, quando a gente ia conversar com elas, elas sempre falavam, eu ajudo meu marido, meu marido faz isso, eu estou aqui ajudando. E agora a gente está num momento histórico, e eu acho que não só histórico, mas mercadológico, que está vendendo, que está sendo incentivado ter as mulheres à frente também. Principalmente nos cafés especiais.

[som de grão de café caindo]

MAYRA: Você provavelmente já ouviu falar nos tais cafés especiais. Deve conhecer aquela pessoa que meio que de uma hora pra outra passou a comprar o café em grãos pra moer em casa e tá pesando a água na hora de passar o café. Isso se você não é essa pessoa. Esse mercado tem crescido nos últimos anos e tá relacionado a muitas coisas, uma delas foi a pandemia de COVID-19.

LIDIA: E aí vem a pandemia, muitas mulheres voltam também para a roça, muitos filhos e filhas que fizeram agronomia, voltam, ficam por um tempo e começam a trabalhar com isso, ver que é um mercado que está aberto, uma coisa que tem possibilidade de desmembrar. E a pandemia eu acho que também marca muito antes e depois, eu percebo muito mais jovens e mulheres envolvidas nisso.

GUILHERME: Principalmente na produção de cafés especiais que é o que vem crescendo no Brasil e não apenas a produção, mas a ciência também começou a ter essa demanda, essa necessidade de acompanhar essa crescente na produção de café especial.

MAYRA: Esse é o Guilherme, lembra? Ele estuda, entre outras coisas, a influência das mudanças climáticas na produção de cafés no Brasil. O foco dele tem sido os tais cafés especiais.

GUILHERME: Como o café especial pode ser um caminho muito natural, não apenas para aumentar o valor agregado daquilo que eles vendem, mas também para se proteger das mudanças climáticas.

MAYRA: Guilherme, como é que a gente define o que é um café especial?

GUILHERME: Existe uma avaliação que faz a pontuação do café levando em consideração aroma, sabor e coloração. Além dessa questão da pontuação você tem uma série de protocolos e estratégias que devem ser seguidos na lavoura, durante o plantio, o manejo e também o tipo da colheita. E tudo isso faz com que o sabor fique mais realçado e melhor pontuado.

GUILHERME: É nessa esteira, dessa cadeia produtiva que esses selos são concedidos, e as regiões de produtora de café especial que tem indicação geográfica, tem indicação de origem, por aí vai, os produtores precisam cumprir esses critérios de produtividade em qualidade e não necessariamente em quantidade.

SIMONE: Ah, tem um monte de pé de café aqui no caminho, já estamos quase chegando em Pinhal.

MAYRA: A marca de que estamos quase chegando em Pinhal é que tem pé de café do lado da rodovia.

[TRILHA – Música “Bebida Preta” de Rudi Vilela]

MAYRA: E aí, a minha última pergunta, porque a gente está chegando. Você comentou que quer mostrar para as pessoas que estão participando do grupo focal hoje, que o café especial pode ser uma forma de se proteger contra as mudanças climáticas.

GUILHERME: Sim

MAYRA: Por que isso acontece? O que uma coisa tem a ver com a outra?

GUILHERME: A partir do momento que você precisa tomar mais cuidado com a sua produção, com os seus pés de café, enfim, com a sua lavoura, para obter esses selos, para obter esse reconhecimento para obter um produto final de maior qualidade, você, por tabela, acaba se prevenindo contra algumas coisas. Então, por exemplo, uma das estratégias utilizadas na produção de café especiais pode ser a implementação de sistemas agroflorestais. Esses sistemas, eles ajudam muito na preservação do solo, na preservação também da umidade ali que você cria de um microclima debaixo da copa das árvores. Isso ajuda muito no sabor, no aroma e na coloração diferenciada do café final. Mas o fato de serem árvores, que fazem parte daquele sistema agroflorestal, também ajuda na captura de gás carbônico, por exemplo, que funciona como mitigação às mudanças climáticas. Então, por tabela, você se previne e contribui com a mitigação às mudanças climáticas só de olhar e de focar mais na sua produção e na qualidade do seu produto final.

LIDIA: Um dos efeitos dos sistemas agroflorestais é manter a temperatura mais constante e mais baixa, já que mantêm os pés de cafés abrigados na sombra de árvores mais altas.

MAYRA: Isso é ótimo porque as alterações muito bruscas de temperatura, efeito cada vez mais comum das mudanças climáticas, acabam interferindo muito no ciclo reprodutivo da planta.

GUILHERME: Você tem muito caso de planta que aborta o fruto por conta de altas temperaturas, ou de cafezais inteiros que são queimados por conta de geadas em lugares onde não ocorriam geadas.

GUILHERME: E aí a gente começa a bater numa questão social, porque se o produtor de café não consegue ter nem quantidade, nem qualidade suficiente produzida, como é que ele vai conseguir se sustentar? Como é que ele vai conseguir, enfim, pagar suas contas e viver?

[Música de fundo, barulho de caminhão passando e cachorros latindo]

LIDIA: Olhar para as questões sociais que envolvem a produção de café, também é uma das preocupações do Coffee Change. O Guilherme foi com a gente no dia do encontro pra apresentar alguns dados que ele levantou sobre o clima da região e com isso ajudar as produtoras a pensar em estratégias pra melhorar o cultivo. Seria uma forma de compartilhar os resultados dessa pesquisa com quem mais precisa deles, em uma troca horizontal de conhecimentos.

SIMONE: Então, a gente chegar como cientista, não sou nem da área de biológicas, de agronomia, nem nada, para uma pessoa do campo que está lá a vida inteira, cinco gerações, e achar que eu sei mais do que eles é ridículo.

MAYRA: Os grupos focais são um espaço de escuta e mesmo de aprendizagem para as próprias pesquisadoras. Apesar de ter perguntas disparadoras,a ideia é que nenhuma destas perguntas entregue uma visão pré-estabelecida sobre as mudanças climáticas. A Simone explicou que pra isso são necessários alguns cuidados:

SIMONE: Na verdade, todas as pesquisas de percepção pública, mesmo se for survey ou grupo focal, entrevista a gente sempre tem esse dilema, porque quando você vai começar a pesquisa, você tem que convidar as pessoas. Eu falo assim, mas vou convidar para quê? Vem aqui tomar um café comigo. A pessoa fala, nem te conheço, vou fazer o quê?
SIMONE: Então, quando eu reúno o grupo, eles já sabem que a gente vai falar sobre mudanças climáticas na cafeicultura, então já está dado. Mas durante a conversa a gente procura evitar esses termos das respostas prontas, justamente para que flua, para que eles tragam ideias deles sobre clima.

SIMONE: É importante ouvir deles. Qual é a sua percepção? O que você reparou? Como está saindo o café agora? Como está ficando o grão? Era assim antes? Sempre foi assim?

[TRILHA – Música “Bebida Preta” de Rudi Vilela]

LIDIA: Trazer perguntas para ouvir e entender de perto o que os próprios produtores pensam estes temas, como eles relacionam os dados atuais com o que têm acontecido ao longo dos anos, é importante para subverter uma ordem que normalmente coloca os entrevistados em uma posição de desigualdade de saberes com os cientistas, em que os cientistas são vistos como detentores únicos de conhecimento. A Claudia falou bastante sobre isso com a gente.

CLAUDIA: Então, obviamente, por exemplo, cada um de nós tem uma compreensão de mudanças climáticas, uma compreensão de como é que as práticas agrícolas dentro de uma história, de uma formação social brasileira estão intrinsecamente atreladas à produção dessas mudanças climáticas, cada um vai ter o seu conjunto de saberes em função da sua história particular de formação. Mas justamente como é que você abre espaço para que esses seus saberes não se sobreponham a outros saberes.

MAYRA: Esse cuidado também é muito importante dentro e durante a realização dos grupos focais. Isso porque os grupos podem ser formados por pessoas de diferentes origens e formações, mais ou menos escolarizadas. Então, é necessário fazer uma mediação da conversa pra evitar, por exemplo, que uma pessoa que tenha um nível de formação acadêmica maior acabe ofuscando a participação de pessoas menos escolarizadas.

LIDIA: Ou mesmo que pessoas mais extrovertidas acabem ocupando todo o espaço e diminuindo a participação de pessoas mais tímidas.

MAYRA: A atenção na hora da escuta também é importante pro próprio método de pesquisa. A Análise do Discurso olha pra linguagem em busca de direcionamentos durante a fala das pessoas, alguns padrões que se repetem ou ideias que estão permeando as falas, mas que não aparecem explícitas.

LIDIA: Análise de Discurso é um negócio difícil de entender .Falo aqui por experiência própria, de quem tomou muito cafezinho pra tentar decifrar os textos que lemos na nossa especialização em Jornalismo Científico. Mas, a Claudia ajudou a gente nessa missão

CLAUDIA: A análise de discurso, ela pressupõe que a relação com o mundo nunca é direta, ela é sempre intermediada. Essa intermediação se dá por meio da linguagem, que tem, por excelência, um funcionamento simbólico.
CLAUDIA: A análise de discurso não vai trabalhar com aquilo que foi dito. Ela vai trabalhar com o modo como foi dito.

MAYRA: Ou seja, a gente tem que prestar atenção na entonação da voz, nas palavras que não são ditas, mas que estão ali “escondidas” e também no contexto social, histórico e político daquela pessoa.

LIDIA: Por exemplo, uma amiga sua dizendo “confia em mim, eu te ajudo” é muito diferente de um candidato político dizendo a mesma coisa.

MAYRA: E é importante observar esses detalhes e tomar todos esses cuidados com o modo de falar, porque as palavras não têm significados únicos e podem representar coisas bastante diferentes dependendo do contexto.

LIDIA: Se a gente quiser, como a Simone e a Claudia querem, entender o que as pessoas realmente pensam, a gente precisa deixar espaço pra essas ideias aflorarem naturalmente. Por isso, toda a dinâmica é meio descontraída, pra evitar que as pessoas respondam só aquilo que elas acham que as pesquisadoras querem ouvir .

MAYRA: É tipo aquelas promoções de supermercado, que pra você concorrer a algum prêmio, eles te perguntam qual é o melhor mercado da cidade. Esse que você tá comprando (e querendo ganhar o prêmio) ou algum outro. Você nunca vai dizer que é outro, mesmo que ache isso.

LIDIA: A Claudia e a Simone explicaram que nas pesquisas de percepção acontece a mesma coisa. As pessoas meio que sabem o que se espera que elas digam sobre mudanças climáticas porque…

CLAUDIA: Do ponto de vista tanto da política quanto da mídia, você estabiliza determinados sentidos em torno dessas mudanças climáticas. Então, é muito importante que você abra condições de escuta para perceber, compreender outros sentidos tão legítimos quanto, mas que muitas vezes são invisibilizados.

[TRILHA – Música “Bebida Preta” de Rudi Vilela]

MAYRA: Os resultados dessa pesquisa do Coffee Change, ainda estão em andamento. Mas, a gente pediu pras pesquisadoras darem um spoiler pra gente, e contarem mais do que elas têm percebido. Você vai ouvir a Claudia e logo depois, a Simone.

CLAUDIA: E aí você percebe que você não tem uma negação direta do tipo as mudanças climáticas não existem, mas o que você tem são diferentes estruturas de formas de dizer sobre as mudanças climáticas que não coincidem com o saber institucionalizado da ciência, necessariamente. Então, você tem desmembramentos, por exemplo, você tem uma relação diferente quando é muita chuva e granizo e quando é sol forte. Então, não necessariamente você significa do mesmo modo ou diz disso como mudança climática, mas você diz disso como algo que atrapalha profundamente a sua produção. Mas, junto com isso você também diz, mas olha, de tempos em tempos, meu avô já dizia que a gente tinha ou uma seca muito grande, ou uma chuva muito grande, ou um granizo, uma queda de temperatura muito grande, mas isso também não é negar as mudanças climáticas, mas é, você tem uma prática agrícola que é acompanhada pela incerteza, faz parte da prática agrícola essa incerteza.

SIMONE: Para mim, uma coisa que chamou a atenção foi que eles acreditam em mudanças climáticas e acreditam bastante que tem ação humana provocando essas mudanças, que tem o efeito do que eles fazem também resultando em modificação no planeta.

LIDIA: E talvez por causa disso, a Simone também percebeu nos grupos uma vontade de fazer alguma coisa com relação a esse problema.

SIMOME: Vejo uma posição de enfrentamento, disposição para enfrentar e para promover mudanças, que é uma coisa que, para o grupo, para a nossa pesquisa, é muito importante.

LIDIA: O enfrentamento para lidar com as mudanças climáticas pode vir de muitas formas. E muitos produtores já estão começando a agir para mitigar esses efeitos…

SIMOME: E também o que pode ser feito do ponto de vista científico. Então, não só a gente dar um jeitinho aqui, não, o que meu vizinho está fazendo. Não, eles tinham conhecimento para agir também em relação às mudanças climáticas e para proteger o negócio, então, para manter a produção, manter a colheita do jeito que eles esperavam e tudo.

MAYRA: Eu percebi isso quando fui conversar com algumas cafeicultoras lá no dia do encontro. Eu perguntei pra elas se elas sentiam que as informações que recebiam sobre mudanças climáticas eram suficientes, se davam conta de explicar o assunto, e olha só o que uma delas me respondeu:

PARTICIPANTES: Eu acho que precisaria, assim, mais focado. Às vezes, chega muita informação, mas tem que filtrar muito o que que é pra sua região, o que que é verídico, o que que não é especulação. Não de forma organizada, né? Então, chegar uma informação de forma organizada e a gente conseguir ver, assim, se compilar os anos de uma instituição com credibilidade é totalmente diferente, né? Então, o que que eu sinto falta, acho que seria muito importante é o produtor aprender a ter acesso a essas informações.

LIDIA: Pra mim isso demonstra bem essa vontade de agir que a Simone comentou, as cafeicultoras não querem saber sobre o tema simplesmente para estarem informadas sobre o assunto, mas para conseguir se apropriar dessa informação no seu dia a dia.

LIDIA: Entender como a linguagem molda essas percepções e também entender como os próprios cafeicultores lidam, falam e agem em relação às mudanças climáticas é um passo importante para que a comunicação científica e as políticas públicas sejam cada vez mais próximas da realidade dos produtores rurais.
MAYRA: É um reconhecimento de que suas próprias percepções sobre o clima e estratégias de enfrentamento, também são fundamentais para as pesquisas científicas e para os objetivos delas. A gente deixa aqui uma última fala da Claudia sobre isso.
CLAUDIA: Quando você constrói condições de produção para a escuta desse outro, que normalmente é colocado como objeto de uma política, não como sujeito dessa política, como aquele que tem saberes extremamente potentes e que realiza esses saberes dentro da sua prática produtiva, só essa abertura de você colocar as pessoas no mesmo espaço, conversando sobre determinadas questões, já desloca possibilidades. Abre possibilidades.

LIDIA: Ah, e claro que também são importantes pra gente manter a produção daquele cafézinho, que me deu até vontade de tomar um agora, vamos Mayra?
MAYRA: E eu vou negar? Coloca a água pra esquentar que eu vou só encerrar aqui.
[Som de água sendo despejada e música de fundo]
MAYRA: Eu sou a Mayra Trinca, produzi e roteirizei esse episódio, junto com a Lidia Torres.
MAYRA: Esse episódio foi produzido como parte dos trabalhos envolvidos em bolsas do programa Mídia Ciência, minha e da Lídia, por isso deixamos aqui nosso agradecimento à Fapesp.
LIDIA: Não esquece de dizer que a edição é da Carolaine Cabral, a vinheta é do Elias Mendes, a musica é a “Bebida Preta”do meu conterrâneo, Rudi Vilela que gentilmente cedeu os direitos de uso pra gente.
MAYRA: Verdade, a gente também usou efeitos de som do freesound e a Livia Mendes ajudou a gente com a revisão pra esse episódio. O Oxigênio é apoiado pela Secretaria Executiva de Comunicação da Unicamp.
LIDIA: Lembra de seguir a gente nas redes sociais, é só procurar por Oxigênio Podcast! Até o próximo episódio!
[VINHETA: Você ouviu Oxigênio, um programa de jornalismo científico e cultural, produzido pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, Labjor, da Unicamp]

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O episódio mergulha nas raízes históricas do racismo ambiental e em como ele afeta, de forma desproporcional, populações negras, quilombolas e indígenas no Brasil. Destaca, também, a resistência dessas comunidades e suas contribuições para a preservação ambiental em meio à crise climática.

#180 – Soluções Baseadas na Natureza

#180 – Soluções Baseadas na Natureza

É possível encontrar soluções para os problemas que enfrentamos com o acirramento da crise ambiental e climática? As Soluções Baseadas na Natureza se apresentam como alternativas tanto para mitigar a crise e melhorar a nossa vida nas cidades, quanto para aumentar a produtividade de cultivos ao mesmo tempo em que promove uma agricultura sustentável.