#138 – Anorexia nervosa, gordofobia e redes sociais
fev 3, 2022

Compartilhar

Assine o Oxigênio

O primeiro episódio de 2022 trata de um tema de extrema relevância na sociedade, que é a anorexia nervosa. Associamos a essa doença que atinge uma grande parte das pessoas, e que decorre, principalmente por questões emocionais, à gordofobia, o preconceito ao corpo gordo que pode ser um dos gatilhos para levar à anorexia e outros transtornos alimentares. Esses problemas não são novos, mas têm sido reforçados pelo acesso às redes sociais, que propiciam as relações e a exposição das dificuldades com o corpo, das dicas de como disfarçar a anorexia, do apoio para permanecer na doença. Mas por outro lado, as redes sociais também têm colaborado para ampliar movimentos de aceitação do corpo e para apoiar as pessoas que desejam se tratar.
O episódio foi produzido por Rafaela Repasch, pelo Rafael Revadam, que são os apresentadores, e também pela Camille Bropp. A Rafaella é também a produtora da animação Eiva, que foi o mote para a realização do programa e que está disponível no YouTube.

Roteiro:

Trecho 1  do curta metragem “Eiva”: “Querido Diário, recebi você da minha terapeuta dias depois de quase morrer. Foram tempos muito difíceis, por isso tenho que dizer… Faz algum tempo já vinha me sentindo pra baixo, me sentia feia e estranha, triste e sozinha… Meus pais criticavam o meu corpo, o que piorava tudo.”

Rafaela Repasch:  Eu sou a Rafaela Repasch, animadora 2D e o trecho de abertura do episódio faz parte do curta-metragem em desenho animado chamado Eiva, feito por mim, com o tema anorexia nervosa. O curta conta a história de uma menina-coelha, chamada Eiva, palavra que significa fenda ou rachadura em vidro. Na história / a menina enfrenta o bullying, web bullying, a perda de sua amiga, e ainda a pressão dos pais e da sociedade por não aceitarem seu corpo gordo. Logo ela entra em um ciclo vicioso de não comer, tomar remédios para emagrecer, exercícios frequentes e vomitar // ações que a levam para uma internação hospitalar.

Rafael Revadam: Os transtornos alimentares são condições graves relacionadas a comportamentos alimentares persistentes que afetam negativamente a nossa saúde e as nossas emoções. Os distúrbios mais comuns são anorexia nervosa, bulimia, compulsão alimentar, transtorno alimentar restritivo evitativo e vigorexia. Esses distúrbios são desencadeados por uma série de fatores associados à depressão ou à ansiedade. 

No caso da Anorexia nervosa, por exemplo, ela acontece quando há uma preocupação exagerada com o próprio peso. A pessoa se olha no espelho e, embora esteja extremamente magra, se enxerga obesa. Com medo de engordar ainda mais, exagera na atividade física, faz jejum, vomita, toma laxantes e diuréticos. E esse processo pode causar danos fĩsicos muito graves.

Rafaela: Uma das preocupações dos profissionais da saúde que lidam com pacientes afetados com a doença, é que boa parte deles são muito jovens. De acordo com a pesquisa ANOREXIA E BULIMIA EM ADOLESCENTES, realizada pela psicóloga Paula Virgínia de Carvalho, da Universidade Federal do Maranhão, em 2008, 14% dos adolescentes entrevistados apresentaram sintomas de anorexia, menos de 1 por cento de bulimia e 2% de anorexia combinada com bulimia. A pesquisadora verificou que 15% dos adolescentes tinham uma conduta alimentar não usual, com comportamentos de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares. 

Rafael: Hoje é possível observar tanto um aumento no número de transtornos alimentares como também no número de vítimas. Esse processo fez com que o Congresso Brasileiro de Psiquiatria, que aconteceu no Rio de Janeiro em abril de 2021, criasse uma sessão especial para discutir as diferentes formas desse problema se manifestar. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 4,7% dos brasileiros sofrem de distúrbios alimentares, no entanto, na adolescência, esse índice chega a 10%.

Eu sou RAFAEL REVADAM, e no episódio de hoje, o primeiro do ano, vamos falar sobre a luta contra a anorexia nervosa e a gordofobia, tão presentes na nossa sociedade. Vamos tratar também da influência das redes sociais na pressão por um corpo perfeito, e como as redes de apoio com familiares e amigos são essenciais para vencer esse cenário.

[Vinheta do oxigênio]

Rafaela: Comer é um dos prazeres da vida, mas quando a ingestão de alimentos vira uma questão de preocupação intensa, o que deveria ser prazeroso se torna um pesadelo, que pode interferir diretamente na saúde física e mental do indivíduo. 

Bianca Barroca: Quando eu era mais nova, por ser de uma família de pessoas gordas existia sempre essa ameaça: “Bianca você não pode engordar! Você vê que fulano não tem namorada? O Sicrano não consegue nem emprego. Você tem que continuar magra pra sempre.” E isso ficava na minha cabeça, então a minha rotina era voltada para continuar sendo magra, com dietas completamente restritivas. Eu parei de comer arroz e feijão com doze, treze anos de idade, porque aquilo era mostrado pra mim como um veneno. Eu via no arroz e feijão uma coisa que ia me afastar de relacionamentos, que ia me impedir de ter emprego, que ia me fazer ser vista de uma maneira que eu não queria. Eu fazia cinco horas de exercício por dia durante a semana e de final de semana passava de dez horas, tudo para continuar sendo magra.

Rafael: Bianca Barroca é uma influenciadora nas redes sociais e criadora de conteúdo digital, que fala principalmente sobre o movimento corpo livre e gordofobia. Ela compartilha sua vivência como pessoa gorda. 

Rafaela: Quem também conversou com a gente neste episódio foi o Raphael Cangelli Filho. Ele é psicólogo clínico e atua no AMBULIM Programa de Transtornos Alimentares, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Usp. E ele reforça o que disse a Bianca.

 Raphael Cangelli Filho: O paciente com anorexia, têm um medo exagerado de ganhar peso. Esse medo é o que prevalece durante todo tempo que essa doença está em pauta, enquanto o paciente está com anorexia.
Na crise, o medo de ganhar peso é muito grande. Uma baixa autoestima e um relacionamento geralmente conflituoso com família e com pessoas queridas. E a bulimia tem também um medo de ganhar peso, mas ele não é tão exagerado. Anorexia tem também uma insatisfação com a imagem corporal e uma distorção muito grande da imagem corporal. 

Rafael: Perguntamos para o Raphael qual é a diferença entre a insatisfação com o corpo e a distorção.

Raphael Cangelli Filho: Quando a gente fala em satisfação é não gostar de como aquele corpo é. A distorção é imaginar esse corpo com uma outra forma, de um outro jeito e geralmente muito maior do que de fato ele é. Então essa distorção de imagem corporal é muito grande na anorexia. A gente tem na bulimia o comportamento de uma compulsão alimentar, um comer exagerado e depois ter medo de ganhar peso com essa alimentação, com essa ingestão alimentar, ela vai provocar uma purgação, seja por vômitos, exercícios exagerados, ou uso de laxantes e diuréticos, enfim, ela vai usar algum método purgativo pra eliminar isso que ela ingeriu e imaginando que com isso ela perca peso, decorrente daquela alimentação exagerada que ela fez. A anorexia, por outro lado, é mais constante. O paciente passa por grandes intervalos de tempo sem comer absolutamente nada ou comendo uma quantidade muito pequena de alimento. E só o tipo purgativa, é que tem os comportamentos purgativos, mas a restrição prevalece.

Rafaela: Mas como reconhecer os sintomas? O psicólogo aponta que é difícil mas  necessário perceber alguns comportamentos de risco. Tanto o paciente quanto a família e pessoas próximas, devem tentar identificar os sinais, como um olhar constante ao espelho, a diminuição da comida ingerida ou uma restrição muito grande do que vai comer.

Raphael Cangelli Filho: A importância que esse paciente dá à imagem corporal, as conversas sobre o peso corporal, então é como se a pessoa ficasse totalmente voltada e focada na questão do corpo, do peso, a importância dela ela chega até a perder interesse pelas questões sociais, porque ela não vai a um encontro de um grupo de amigos, porque provavelmente o grupo combina de se encontrar num bar, num boteco ou num restaurante e aí lá vai rolar uma bebida, vai rolar um alimento, vai rolar um petisco, então pra que esse paciente não se exponha a essa situação e não fique envergonhado por não comer então ele essa pessoa evita esse contato social né? Então ela vai se isolando, cada vez mais fechada em seu próprio habitat e deixando os relacionamentos pra fora da sua vida.

Rafael: A dificuldade para identificar ou diagnosticar o transtorno alimentar está na sutileza dos sintomas e o fato desses sintomas serem relacionados erroneamente a um estilo de vida e não a uma doença. O próprio paciente pode resistir a reconhecer que as alterações de comportamento não são apenas um novo jeito de lidar com seu corpo.

Raphael Cangelli Filho: Isso a gente ouve  muito de um paciente com transtorno alimentar: “Eu como pouco, porque é um estilo de vida. É legal comer menos, é legal comer adequadamente, comer sem carboidrato”, então ela aparece disfarçada, então é difícil uma pessoa até bem próxima reconhecer isso como uma doença, do comportamento como sendo sintomas de uma doença. Às vezes esse paciente, até chega a ir num médico, mas ele vai num clínico geral, ele depois vai num gastro, porque ele começa a ter crises de gastrite, dores abdominais e se o médico não tem um olhar mais apurado, voltado a reconhecer os sintomas e transtornos alimentares, ele vai cuidar da dieta dessa pessoa, desse paciente e provavelmente uma dieta até mais restritiva do que já é. Reconhecer as dores como decorrente de uma gastrite, de uma infecção estomacal e não decorrente de questões da anorexia, como sintomas da anorexia.
Então assim, pro próprio paciente é difícil ele se cair a ficha ele reconhecer que ele tem um uma doença, que é necessário um trabalho, um tratamento multidisciplinar e pra família também precisa estar muito atenta a isso e reconhecer esses sintomas e perceber como doença e não como estilo de vida.

Rafaela: Raphael comenta também outro fator importante de influência na imagem corporal e que pode levar à anorexia nervosa. A pressão midiática, que intensifica a insatisfação com o corpo, além da cultura em que vivemos, onde beleza é magreza.

Raphael Cangelli Filho: Então as pessoas, os pacientes com anorexia fazendo uma correlação que a beleza tem que vir da magreza, que leva ao sucesso profissional e pessoal, afetivo. A aceitação decorre de tudo isso, mas não é o único gatilho, não é a única pressão, não é só por isso, tem outros fatores que vão fazer com que uma pessoa inicie um transtorno de anorexia ou transtorno de alimentação.

Rafael: Bianca têm a mesma visão que o psicólogo e conta como essa pressão da mídia influenciou a relação com o próprio corpo.

Bianca Barroca: A primeira coisa que eu aprendi foi a não gostar do meu corpo. Todas as referências que eu tinha de corpos bonitos eram as referências da mídia, final dos anos noventa e começo dos anos dois mil. A febre da cintura é baixa, dos ossinhos apareceram no quadril. Uma cultura, pois ali na época que o padrão de beleza era o padrão modelo, quando se falava em Gisele, era quando se falava em todas essas supermodelos que eram pagas e era exigido de uma forma super abusiva que elas fossem magras.  Foi isso que eu aprendi que era ser bonita. Então, recentemente eu estava mexendo numa caixa de fotos antigas e eu encontrei uma foto minha com três ou quatro anos de idade murchando a barriga para parecer ser mais magra na foto. Fazia e faz parte da nossa cultura, a família falando pra você que seu corpo não é bom o suficiente, está na nossa sociedade.

Trecho 2 do curta metragem “Eiva”.
“Foi aí que decidi mudar, mas com certeza não foi uma boa escolha…
Não comer, exercício, remédio, vomitar, feia
Não comer, exercício, remédio, vomitar, feia
Não comer, exercício, remédio, vomitar, feia
Não comer, exercício, remédio, vomitar, feia”. 

Rafaela: Para entender de onde veio a cultura da magreza, é necessário voltar para a Antiguidade Clássica e entender a concepção de belo para os gregos. A beleza, para eles, era sinônimo de perfeição e a perfeição era baseada na simetria corporal e na naturalidade. A partir daí o corpo bonito se torna inteiramente ligado à imagem, apenas com o viés estético. Com o passar do tempo, o estímulo à magreza ficou presente nos meios de comunicação, especialmente na publicidade, mas também no cinema, nas novelas, no jornalismo. E a internet ampliou ainda mais a exposição de corpos magros como modelo de beleza. Ela também possibilitou a aproximação de pessoas com interesses em comum, em grupos, como no Facebook, depois no Instagram e outras plataformas. 

Rafael: Depois vieram os meios de trocas de mensagens, como WhatsApp e Telegram, em conversas que não podem ser acessadas. Falamos sobre isso com a  Cristina Oliveira dos Santos, que é jornalista e desenvolveu uma dissertação no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Espírito Santo (UFES), em 2016, sobre o comportamento pró-anorexia, principalmente em grupos de WhatsApp. Foram cerca de dez grupos analisados, com pessoas entre 10 a 35 anos.
Perguntamos para a Cristina se de alguma forma ela percebeu que os grupos ajudam esses tipos de distúrbios a ficarem mais escondidos.

Cristina Oliveira dos Santos: Com certeza, esse espaço dos grupos principalmente do WhatsApp, que não tem diretrizes tão rígidas como Instagram e Facebook. Lá é o espaço que elas se sentem acolhidas, uma dá estímulo mesmo para outra participante para elas poderem juntas serem quem elas realmente querem ser. Então, embora as comunidades os grupos, né no caso de Facebook, eles tentam bloquear essa interação entre as participantes porque anorexia e bulimia são temas extremamente proibidos no Facebook, ele já baniu e por ser dona do Instagram o Instagram também, os outros grupos mais fechados como WhatsApp não tem essa política então lá elas podem mesmo dar força uma para outra elas podem interagir as podem juntas chegarem ao objetivo ideal que a magreza excessiva elas serem vistas serem apreciadas e uma coisa muito interessante também que elas saíram do Instagram até porque como Instagram começar a bloquear elas foram para o WhatsApp, ele era visto como uma forma de delas poderem ganhar o corpo ideal era como se fosse uma escadinha fazer um subida degrau por degrau para ganhar o corpo. e assim voltar  para o Instagram, porque lá no Instagram é uma forma que elas poderiam se expor, ganhar muitos likes que elas tinham muita coisa com isso de ganhar likes para elas era o máximo. Toda vez que elas colocavam um corpo lá magro e do castigo era perdido peso na semana colocava uma foto delas lá o estímulo delas a felicidade delas era medida pela quantidade de likes que elas recebiam. Então se elas recebessem poucos likes é por causa que não tinham emagrecido.

Rafaela: A influencer Bianca explica que lidar com as redes sociais não é fácil, mas hoje encontra mais apoio do que ódio.

Bianca Barroca: No final do dia todo hate que acontece quando os meus assuntos eles furam a bolha, eles atingem pessoas que nunca ouviram falar sobre isso. Então, sim, é muito desagradável receber hate. É desagradável ouvir pessoas te atacando sem nem te conhecer e às vezes engatilhando coisas muito íntimas. Porque a autoestima de ninguém é inabalável. Tem um momento que vou ficar triste. Mas ao mesmo tempo que isso acontece existe um lado bom de furar a bolha. Então pessoas que nunca ouviram falar naquele assunto, talvez  elas nem concordam em primeira. Então, no TikTok acontece muito isso, os seguidores que são mais novos eles veem aquilo e eles pensam, “Poxa, é isso que eu precisava pra melhorar um pouco o meu dia, eu lavei bullying no colégio, mas agora eu tô em casa olhando isso aqui, tem gente que é como eu e tá feliz e se sente bem”, então esse período vai ser um pouco difícil, mas um dia vai melhorar. É trazer um pouco de esperança pra pessoa que nunca ouviu falar no assunto.

Rafael:: Há uma dificuldade de aceitar que as redes sociais tenham algum papel na multiplicação e disseminação desse pensamento anoréxico, que só expõe uma coisa que antes ficava oculta na sociedade.

Rafaela: Em 2021 o Pinterest, rede social que é focada em buscas de inspirações, como looks, desenhos, fotos, atualizou sua política em uma tentativa de evitar o dito “padrão de corpo perfeito”. E essas novas regras também proíbem idealização ou depreciação de certos tipos de corpos. Foi a primeira rede a banir a veiculação deste tipo de conteúdo para usuários e convidou outros serviços a adotarem a medida. Mas, segundo a explicação da Cristina, esse bloqueio nas redes ainda é muito falho.

Cristina Oliveira dos Santos: Olha eu não acho que sejam regras que sejam suficientes. Facebook tá um pouco mais desativado nessas áreas, porque o Facebook está sendo visto muito como rede social, onde tá a tia os da mãe, então as pessoas mais jovens. Elas começaram a usar mais um Instagram mesmo. Elas mudam muito as hashtags, elas colocam dois eles (LL) colocam dois pês (PP), colocam números. Porque o Instagram colocou uma política um pouco mais rígida para não sei se você tem acompanhado, você não pode escrever certas palavras. Pode ser morte, assassinato. Então as pessoas estão usando números, né para substituir algumas letras e assim como antes. O Instagram bloqueia a foto se a menina mostrar os mamilos mas ele não vai bloquear foto de uma menina muito magra A não ser que esteja na legenda Ah eu tenho anorexia.

Rafael: É importante entender que não apenas as redes sociais ou influencers fitness são gatilhos para essa doença psicológica que atinge tantas pessoas. Raphael explica melhor essa questão.

Raphael Cangelli Filho: Pacientes com anorexia em um conflito familiar, pais muito severos, triangulações familiares, a gente encontra não só na mídia, então tem outros fatores esses familiares, sociais, preconceituosos. Na anorexia outros gatilhos além das redes e da mídia, que vão decorrer para uma anorexia. O fato de uma pessoa não saber como expressar, trabalhar, não saber digerir um sentimento, uma emoção e resolver isso na alimentação. Eu não consigo expressar a minha raiva e o que eu faço, me punir por conta de não saber expressar isso. Então eu volto a raiva pra mim, ao invés de expressá-la pro outro. Então eu faço uma restrição, mesmo uma compulsão porque eu vou jogar na alimentação o sentimento que eu tenho e que não sei lidar com ele. 

Rafaela: Cristina explica esse conflito por outra perspectiva interna na qual meninas e mulheres negam o amadurecimento do corpo. No caso das meninas, elas querem se afastar ao máximo da imagem da mãe na vida adulta. Elas não querem ter os seios grandes, quadril mais largo, nem uma barriguinha. 

Rafael: A gordofobia é a discriminação, opressão, a inferiorização, a repulsa e o sentimento de raiva para com um corpo gordo. A sociedade estampa cotidianamente essa opressão em restaurantes, transportes públicos e até em hospitais. Como consequência, as pessoas podem desenvolver distúrbios alimentares. Bianca exemplifica como foi essa reação da sociedade com ela perante sua mudança corporal.

Bianca Barroca: Eu aprendi que eu era melhor que os outros, então eu agia se eu fosse melhor que os outros, simplesmente porque eu tinha um corpo magro, não que todas as pessoas magras agem assim, mas eu no caso agia. E aí quando eu comecei a engordar, eu procurei outros artifícios para garantir que as pessoas gostassem de mim, porque eu sabia que só pela minha aparência as pessoas não iam gostar. Então, eu comecei a ser vista de uma forma, por exemplo, no trabalho, como se eu fosse desleixada, as pessoas sempre se sentiam numa necessidade me dar “dicas” sobre roupas que eu vão esconder a minha gordurinha, sobre o que poderia levantar um pouco o meu peito ou então várias coisas pra corrigir a minha maneira de me mostrar pra sociedade, porque eu sendo uma pessoa gorda e vivendo livremente não era o suficiente, eu não estava adequada às normas. Eu acho que a minha autonomia, a minha liberdade foi um pouco desrespeitada pelas pessoas, porque todo mundo se sentiam no direito de opinar.

Rafaela: é importante citar que enquanto se tenta padronizar um estilo de corpo, pessoas que não se encaixam nesse padrão começaram a denunciar tal violência, incentivando a valorização de todos os tipos de corpos. Exemplos disso são os movimentos Body Positive e Corpo Livre, do qual a Bianca faz parte.

Bianca Barroca: Eu acho que existe um crescimento muito bom. Esse assunto é muito mais aceito. Do que quando comecei a ouvir falar sobre isso, em dois mil e quinze, dois mil e dezesseis. Hoje em dia é muito diferente. Existe uma intenção do capitalismo de se apropriar de algumas situações para lucrar. Então, obviamente estão percebendo que pessoas gordas consomem, se tiver uma roupa da moda uma roupa que todo mundo está usando, se quiserem comprar uma ideia de vão ter mulheres gordas, pessoas gordas pra comprar. Então, existe esse movimento capitalista. Mas, ao mesmo tempo que isso acontece, eu também vejo pessoas que eu sempre vi no meu dia a dia, meus amigos, na minha família, pessoas que se sentiam desconfortáveis com o próprio corpo e iniciaram pensamentos diferentes sobre isso. O que a gente precisa atentar sempre é entender que o movimento corpo livre ele é sobre a aceitação mas ele é aplicação de todos os corpos, é a aceitação dos corpos de pessoas com deficiência, é aceitação de pessoas gordas maiores que são as invisibilizadas nessa discussão. É Corpo Livre pra todo mundo e quando a gente fala sobre se sentir bem a gente tem que pensar nessa realidade de outras pessoas e fazer com que esses discursos sejam positivos pra todo mundo.

Rafael:  Esses movimentos também buscam valorizar outros tipos de corpos que também sofrem preconceito na sociedade, como é o caso dos corpos trans e de pessoas com deficiência. Mas além de atitudes da população, ações governamentais são fundamentais para incluir e acolher a todos. 

Bianca Barroca: A gente pode criar uma lei falando que ser gordofóbico é crime, mas se as pessoas não sabem o que é ser gordofóbico essa lei funciona, essa lei vale de alguma coisa? Tem que ser as duas coisas acontecendo. Existem políticas públicas que seriam muito proveitosas nesse caso. Falando mais especificamente sobre a anti gordofobia, a gente pode pensar no atendimento médico principalmente é você vai em em alguns hospitais a pessoa gorda, que é aquela pessoa que todo mundo está falando que está preocupado com a saúde, então essa pessoa que tem a saúde cobrada basicamente todos os dias, quando ela vai procurar ter acesso a saúde muitas vezes esse acesso a saúde é negado você vai no hospital a cadeira do hospital machuca, ou então o aparelho de ressonância não é grande o suficiente, existem pessoas gordas que precisam fazer ressonância em clínicas veterinárias.
Macas, que não suportam o peso de pessoas gordas quando você vai num hospital normalmente, onde eles tem essas macas que suportam o peso de uma pessoa gorda maior é na ala para fazer cirurgia bariátrica. A pessoa gorda é bem recebida no hospital só se ela procurar emagrecer, isso é de um desrespeito gigantesco e isso afasta sim pessoas gordas da saúde.

Rafaela: Falando em saúde, voltamos ao Raphael e ao tema central do episódio. O psicólogo detalha um pouco sobre o tratamento de quem convive com a anorexia, e como é fundamental que toda a família se envolva no processo para o paciente não lutar sozinho.

Raphael Cangelli Filho:  A maneira mais pesquisada e mais positiva e que tem mais sucesso ao tratamento, um bom prognóstico é quando a família adere ao tratamento. Sem que a família faça parte do tratamento o paciente está lutando sozinho. A gente costuma trazer para o tratamento não só pai e mãe, mas pai, mãe, todas as pessoas da família que convivem com aquele com transtorno alimentar. Então quanto mais pessoas desta rede seja familiar ou social inseridas trazidas pro tratamento mais ajuda esse paciente terá.

Rafael: É muito importante ressaltar para as pessoas que a anorexia não tem uma cura, mas que existe sim um tratamento. E essa saída tem algumas necessidades fundamentais, como explica Raphael. 

Raphael Cangelli Filho: O que a gente precisa para um tratamento de sucesso, um bom prognóstico a gente precisa de uma equipe que tenha médico psiquiatra, nutricionista comportamental, psicólogo individual e terapeuta familiar. Hoje no hospital, no ambulatório nós temos além desses quatro a gente tem também uma fisioterapeuta e uma educadora física, que tem uma equipe que trabalha junto com a insatisfação e a distorção corporal. Então, são profissionais que discutem e que trabalham sempre com único objetivo, que tem sempre uma meta uma auxilia a outra uma passa informações para outra, o paciente deve saber que cada cada profissional tem o seu objetivo mas a equipe comum tem um único objetivo.
O tratamento de um transtorno alimentar é  muito longo. A gente não tem aquilo que a gente chama de uma cura, o que a gente tem é uma melhora, a gente tem remissão dos sintomas, a gente tem um aprendizado para lidar com os gatilhos que geram os comportamentos transtornados. Porém, é sempre um controle da doença. Com anorexia ela aprende a controlar os seus pensamentos e sentimentos diante de uma determinada situação, situações de gatilho e para lidar com elas. 

Trecho 3 do curta metragem “Eiva”.
 “Mas conseguimos ajudá-la a tempo, porém é uma doença permanente, então além de recuperar seu peso, terá que levá-la ao psicólogo, ao nutricionista com um tratamento a longo prazo. Acredita-se que a família, os profissionais da saúde e educadores devem estar atentos aos seus filhos, pacientes e alunos, estabelecendo continuamente um clima de diálogo, cuidado e informação no que se refere aos comportamentos de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares.

Rafaela: Esse foi o episódio 138. Ele foi apresentado por mim,  Rafaela Repasch, e pelo Rafael Revadam. Nós também participamos da produção, junto com a Camille Bropp. 

Rafael: As músicas usadas neste programa são da YouTube Audio Library. A revisão do roteiro e a coordenação são da professora Simone Pallone, do Labjor/Unicamp, e os trabalhos técnicos de Gustavo Campos e Octávio Augusto.
Este episódio também contou com trechos do curta de animação “Eiva” de Rafaela Repasch. O link para a obra completa está na descrição do programa.

Rafaela: Você também pode nos acompanhar nas redes sociais. Estamos no Instagram e no Twitter, basta procurar por “Oxigênio Podcast”.

Rafael: E você pode deixar a sua opinião sobre este episódio comentando na plataforma de streaming que utiliza. Até a próxima!

 

Veja também

#179 – Comida Frankenstein e a ética na ciência

#179 – Comida Frankenstein e a ética na ciência

Comida Frankenstein? Sim, esse termo, que remete a um dos monstros mais conhecidos da ficção científica, tem sido usado para tratar de comidas que usam organismos geneticamente modificados. Neste episódio tratamos sobre a ética científica e outras questões que envolvem esses produtos.

#174 – Um esqueleto incomoda muita gente

#174 – Um esqueleto incomoda muita gente

Novas descobertas sobre evolução humana sempre ganham as notícias e circulam rapidamente. Mas o processo de aceitação de novas evidências entre os cientistas pode demorar muito. Neste episódio, Pedro Belo e Mayra Trinca falam sobre paleoantropologia, área que pesquisa a evolução humana, e mostram porque ela é cheia de controvérsias e disputas.

# 171 – Adolescência – ep. 2

# 171 – Adolescência – ep. 2

Alerta de gatilho: Este episódio da série “Adolescência” trata de temas difíceis, como depressão, ansiedade, impulsividade e sentimentos ligados às relações familiares, entre eles conflitos entre pais e filhos e também como lidar com essas questões. Ao falar destes...

#169 – Depois que o fogo apaga – Parte 2

#169 – Depois que o fogo apaga – Parte 2

Seguimos falando sobre o processo de recuperação de museus e acervos que pegaram fogo no Brasil. Quais são as etapas até a reabertura? Quem participa desse processo? Ouça como está sendo o trabalho no laboratório da Unesp em Rio Claro, o Museu Nacional do Rio de Janeiro e o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo.

#168 – Depois que o fogo apaga 

#168 – Depois que o fogo apaga 

Incêndios como os que ocorreram no Laboratório de Biociências da Unesp de Rio Claro, no Museu Nacional e no Museu da Língua Portuguesa causam a perda de material valioso de pesquisa e de espaços de trabalho e convivência; e como é o processo de reconstituição dos lugares e dos acervos?