Manoel de Barros, o poeta que mais vendeu livros no Brasil.
maio 29, 2016

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Dois mil e dezesseis marca os 100 anos de vida do poeta mato-grossense, Manoel de Barros, referência da literatura brasileira que faleceu no final de 2014, com 98 anos.

O professor de agramática

“Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.

Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.

Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.

– Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.

Ele fez um limpamento em meus receios.

O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas…

E se riu.

Você não é de bugre? – ele continuou.

Que sim, eu respondi.

Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas –

Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.

Há que apenas saber errar bem o seu idioma.

Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de agramática.”

Manoel de Barros

O poema recitado foi “O professor de Agramática” do “Livro das Ignorãças” de e por Manoel de Barros. O poeta nasceu em Cuiabá, mas morou na infância em Corumbá, conhecida como a “capital do pantanal”, o que serviu de inspiração para seus textos que misturam poesia e prosa, assim como as águas do pantanal, explica o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Adalberto Müller Jr.

Segundo o professor, apesar de Manoel de Barros ser vendido como o poeta do pantanal, sua poesia vai muito além de uma descrição, pois ele apenas utiliza dos recursos da natureza para alargar o olhar do leitor. Já dizia um de seus poemas: “As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis: Elas desejam ser olhadas de azul, que nem uma criança que você olha de ave.”. Isso permite que o poeta, que abusa dos neologismos, dê vozes e novas perspectivas para o que fica esquecido na sociedade, afirma Adalberto.

Adalberto Müller Jr – “O Manoel de Barros cria uma espécie de fusão entre o homem e a natureza. Quando ele fala do caracol, ele entra dentro do caracol e assume a visão do caracol. Tem um poeminha sobre os caracóis que fala assim: Ah, como será ardente a vontade dos caracóis de voar.  Essa e uma perspectiva que vem do caracol”.

Manoel de Barros é o poeta que mais vendeu livros no Brasil, mas só se tornou largamente conhecido meio século depois de lançar seu primeiro livro, Poemas Concebidos sem Pecado, publicado com 21 exemplares artesanais em 1937. Depois de viajar o mundo e viver no Rio de Janeiro com sua esposa, Manoel voltou a morar em Corumbá para cuidar da fazenda herdada do pai. Quando conseguiu se estabelecer financeiramente ele se mudou para Campo Grande, onde realizou o sonho de ser “inútil”, como descrevia sua profissão de poeta.

Adalberto critica as editoras que exploram demais uma imagem de “poeta para crianças” ou “poeta do pantanal”, ignorando o lado político dos textos de Manoel.

Adalberto Müller Jr – “Isso é o fundo mais profundo da poesia de Manoel de Barros. Quando ele fala de ‘inutensílio’, a poesia cuida daquilo que a sociedade capitalista jogou fora. Tanto do sapato velho descartado, quanto das pessoas que foram descartadas pelo sistema. Aí, ele fala do andarilho… O andarilho o que é? Uma pessoa que não se enquadra em lugar nenhum no sistema capitalista. O ínfimo é muito mais importante que o luxo. Então, quando Manoel de Barros fala do ínfimo, do descartado, do desnecessário, claro que é político!”.

Esse lado político pode ser notado em vários poemas de Manoel, como o “Tratado geral das grandezas do ínfimo” que diz:

“A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.

Meu fado é o de não saber quase tudo.

Sobre o nada eu tenho profundidades.

Não tenho conexões com a realidade.

Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.

Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).

Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.

Fiquei emocionado.

Sou fraco para elogios.”

 

Leia mais sobre a vida e poesia de Manoel de Barros na reportagem da revista Ciência & Cultura (vol.68, n.º2, 2016), da SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

Matéria de Kátia Kishi.

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