#165 – Paleoceanografia: Estudos sobre o passado do oceano trazem previsões para o futuro
maio 4, 2023

Compartilhar

Assine o Oxigênio

Você sabe que é paleoceanografia? A jornalista Maíra Torres conversou com Karen Costa e Felipe Toledo, professores da USP e também com Maria Alejandra Pivel, professora da UFRGS, para entender e explicar do que se trata, e como os estudos na área têm trazido respostas sobre os efeitos do aquecimento global na vida dos oceanos.

___________________________________________

Roteiro

Maíra: Oi pessoal, eu sou a Maíra Torres ex aluno do curso de especialização e jornalismo científico aqui pelo Labjor da Unicamp, sou bolsista mídia ciência pela Fapesp. E hoje a gente está aqui, e eu digo a gente porque temos também convidados lá direto da USP e também da URFGS no Rio Grande do Sul. Hoje o assunto do oxigênio vai fazer uma ponte entre o tema da paleoceanografia e também o tema das mudanças climáticas, então junto comigo eu tenho aqui o professor Felipe Toledo. 

Felipe: Olá, tudo bom? Ele é professor do Instituto oceanográfico e também a Karen Costa. 

Karen Costa: Oi, tudo bom? 

Maíra: Ela também é professora do Instituto Oceanográfico e, por ligação, a gente tá com a Maria Alejandra Pivel. Ela é do Instituto de Geociências da UFRGS. Oi Maria. 

Maria Pivel: Oi, tudo bem? 

Maíra: Tudo bem por aqui a gente vai falar um pouco sobre o tema de mudanças climáticas, né? Esse ano, por exemplo, foi um ano atípico, a gente começou com várias chuvas, e acredito que na verdade o próprio assunto do clima seja um assunto que permeia a humanidade, desde que ela existe.  A gente depende do clima para comer, para sobreviver, para construir cidades, residências.  Enfim, sem nada disso a gente não consegue estabelecer a nossa civilização, né, Felipe?

Felipe: Isso. Eu acho que para começar acho que era importante a gente falar mudanças climáticas. O que é, uma definição rápida: que seriam aquelas mudanças que acontecem no planeta, né? E essas mudanças incluem o aquecimento global, já que a gente usa esse termo para quando ocorre o aumento de temperatura no planeta a longo prazo, né? Então, é errado. Quando a gente fala em mudanças climáticas não necessariamente a gente tá falando em aquecimento global. Aquecimento global faz parte das mudanças climáticas, então o esfriamento global também seria uma mudança climática, né? 

O aquecimento climático é uma das coisas que veio à tona no século 20, por influência do ser humano. Quer dizer, a gente começa a ver um aporte de CO2 muito grande na atmosfera, ou seja, gases do efeito estufa sendo lançados na atmosfera por efeito antropogênico, por ação humana. O “coração dos nossos maquinários”. Mas se a gente pensar como você falou, em Paleocenografia, a gente tem que voltar no passado. Quer dizer, existem mudanças climáticas que são naturais ao planeta, ou seja, se a gente pegar no Gondwana, ou seja, quando os continentes estavam unidos e começam a se separar, você tem uma quantidade muito grande de CO2 sendo expelido para a atmosfera por causa do intenso vulcanismo do momento de abertura.

Maíra: Isso ainda quando o mundo nem era o mundo que a gente conhece do jeito que a gente conhece hoje, né? Era pangeia, assim, todo mundo junto. 

Felipe: Isso, a gente já tá em Gondwana, 200 milhões de anos atrás. Esse é um gás formador. Então a gente tem um período mais quente, a configuração dos oceanos era diferente, então isso seria uma mudança climática natural. E o que causa essas mudanças que são externas, né? Seria a irradiação solar o ser humano, não tem influência sobre isso, né? Vulcanismo, e posição da Terra em relação ao ao sistema todo.

Maíra: Isso naturalmente no sistema de translação. Você diz né? Rotação mais perto do sol mais longe do Sol nesse esquema de mudança climática?

Maria Pivel:  Na verdade o que a quantidade de radiação que chega na Terra,  até que o Felipe comentou, da variabilidade na intensidade da radiação solar, isso aí varia ao longo do tempo, mas é o que faz o clima variar mais ainda, é como essa radiação solar fica mais nos trópicos, chega mais ou menos nas altas latitudes, depende de como essa radiação solar se distribui. Depende dos parâmetros que a gente chama de parâmetros orbitais, que tem a ver com a excentricidade da órbita se ela é mais circular mais excêntrica, a obliquidade do eixo de rotação em relação ao plano da órbita, e também é outro movimento que a Terra faz que é como se fosse um movimento de peão, que a gente chama de momento de precessão, que faz com que o contraste sazonal entre inverno e verão seja maior ou menor. Então o que vai mudar isso não vai mudar tanto como “quanto chega de radiação solar como um todo na Terra”, mas vai mudar como elas se distribui.

Maíra: E  isso faz toda a diferença principalmente pra gente, que é humano. As diferenças de temperaturas entre os trópicos, por exemplo, o Hemisfério Norte, o Hemisfério Sul, inverno, verão, já é praticamente gritante pra gente.

Maria Pivel: Sim. Esse aí varia muito, e na realidade  esses parâmetros são um conjunto de fatores que interagem entre si então, para uma mesma configuração orbital o clima pode ser diferente em função de como as massas continentais estão distribuídas. Se os continentes estão mais nos trópicos, se tem continente passando nas zonas polares, em altas latitudes, tudo isso aí vai contribuir com que o clima responda de uma maneira diferente. Uma coisa é radiação solar chegando na superfície do Oceano e outra coisa é radiação solar incidindo numa massa Continental. O comportamento e absorção da radiação é diferente, né? Então tudo isso aí afeta o clima. Para o clima, na verdade, a realidade é mudar. Muda o tempo todo, a regra é mudar. A questão é que hoje em dia essa mudança, que sempre mudou naturalmente, hoje em dia está sendo catalisada pela ação humana.

Felipe: Isso que a Maria falou, quer dizer, tem essa influência, e isso vai influenciar diretamente também na circulação dos oceanos, né? Porque vai aumentar ou diminuir os mantos de gelo nos polos. 

Maíra: Ah, você diz que a radiação solar então tem influência no na circulação dos oceanos?

Felipe: sim. Vai ter influência por exemplo quando você tem aumento ou diminuição dos mantos de gelo, e isso vai influenciar na circulação dos oceanos.

Maíra: entendi.

Karen:  Sim, porque quando você tem derretimento de gelo desses mantos que estão nas calotas polares, você introduz nos oceanos uma quantidade expressiva de água doce. Quando você introduz água doce no oceano, você pode mudar a densidade das massas de água e as águas vão mudar o movimento. O movimento das águas se dá através da diferença de densidade. Então, se você introduz mais água doce, você pode mexer no fluxo, na intensidade, e talvez na direção do fluxo das massas da água. E essas massas d’águas profundas são formadas a partir de massas d’ água superficiais que estão em contato com a atmosfera e vão distribuir o calor. Diminuindo essa sua capacidade de distribuir calor, ela vai deixar o ambiente mais frio. Porque ao longo do tempo houveram essas mudanças naturais, Conforme a Maria explicou, essas mudanças nas condições orbitais, elas são cíclicas, de 400 mil anos, 100 mil anos, 40.000 anos, 20 mil anos, então é um processo natural, só que acontece numa escala humana. Nos últimos 10, 20 mil anos, a gente tá influenciando nisso, coisa que nunca aconteceu antes, né? 

Então por isso é importante estudar o paleo, para saber como era antes sem a nossa atividade humana. A gente consegue ter um parâmetro para ver: “bom, agora a gente tá aumentando X, vai acontecer tal coisa. Vamos buscar lá no passado um tempo em que a gente estava em condições onde, por exemplo, a quantidade de CaCO2, ele é muito maior do que a gente já teve hoje”. Então, já teve algum tempo no passado que isso aconteceu? sim. Teve. E aí logo depois disso a gente vai nos sedimentos e vai estudar o que aconteceu quando os níveis de CO2 eram muito maiores do que hoje. 

A gente tem esses registros do passado. A gente sabe o que aconteceu quando o nível de CO2 era maior, houve um aquecimento global bastante grande, as correntes oceânicas mudaram, houve a certificação dos oceanos. A gente tem todos esses registros nos sedimentos, é a nossa base.

Maíra: É muito mágico, né? Assim que essas mudanças climáticas fiquem tão registradas. E aí eu queria perguntar, para quem não conhece a área de paleoceanografia. Acho que o melhor jeito de explicar o que é paleoceanografia é desmembrar a palavra: ”paleo” quer dizer..

Felipe: que aconteceu no passado, e esse passado pode ser um passado geológico, distante, ou um passado mais recente. 

Maíra: E aí o “oceano”, claro, pelo estudo dos oceanos. E “grafia” do estudo. Então vocês estudam os mares do passado para poder entender exatamente, como nesse caso do clima, como que pode ser, como pode agir o clima do futuro, é isso? 

Felipe: É isso gente tenta jogar, ver as grandes modificações, e prever quais são as consequências pro futuro. E nesse caso, acho que a Maria comentou, quer dizer, a gente tá jogando, desde o século XX, uma quantidade absurda de gases do efeito estufa. A gente fala muito do CO2, mas não é só o CO2, né? A gente tá inserindo outros gases que também contribuem para um aquecimento, por exemplo, o metano é um gás extremamente danoso pro aumento da temperatura do planeta, né? E a gente tem essas emissões extremamente elevadas. Uma consequência direta que se coloca muito nisso é variação do nível do mar, ou seja,quando começa a derreter mantos de gelo sobre o continente – lembrando que gelo marinho você derrete o nível do mar não sobe, porque ele já tá ali. Se você botar um cubo de gelo num copo d’água, ele vai derreter e o copo d’água vai continuar com o mesmo volume –  porém o aquecimento do mar faz com que a água dilate, a água mais quente também dilata, e quando você derrete gelo sobre o continente vai aumentar o volume de água nos oceanos.

Maíra: Porque não estava dentro do oceano, ele vai pro oceano fazendo mais volume.

Felipe: Isso. Em torno de 60% ou mais da população Global vive até 100 Km da linha de costa. Então você imagina que se a gente aumentar 1 metro, que não é muito, você vai ter uma migração climática de bilhões de pessoas para algum lugar.

Maíra: Quando fala em “aumentar um metro” não quer dizer que [o mar] vai um metro para trás, quer dizer que ele vai aumentar em altitude, em profundidade. Iisso quer dizer que a linha d’água vamos falar assim, vai muito mais para trás, muito além, invadindo o litoral.

Felipe: correto. Quem estiver no nível, ou tudo o que estiver o nível do mar atual vai ser inundado, então isso pode ir quilômetros adentro do continente. 

Karen: Ah, mas acho uma coisa que eu acho que o Felipe falou e talvez pra quem não é da área não fique muito claro: “como que você vai estudar oceanos do passado e se esses oceanos não existem mais?”. 

Maíra: Ah, chegamos de um bom ponto Karen. Como?

Karen: Através dos sedimentos de fundo marinho. Desde o sedimento do fundo marinho a tudo que está na coluna da água, vai afundar, vai chegar no fundo do mar. Em média, a gente tem uma sedimentação de que a cada 1.000 anos sedimenta 1 cm de sedimento, então ao longo do tempo a gente tem quilômetros de sedimento depositados no fundo marinho. E aí a gente vai lá com o navio faz uma amostragem puxando, com um piston core. Você coloca um um cano, genericamente falando, e traz aquele cano cheio de sedimento. Na base do cano estão sedimentos mais antigos e conforme você vai subindo no cano, os sentimentos mais novos. E aí você abre esse material e estuda. Então é isso que a gente estuda em oceanografia geológica, em paleoceanografia. Você estuda esse segmentos e esses sedimentos ficam registrados. Pela composição química do material a gente pode ter noções de paleotemperatura, paleossalinidade, paleoprodutividade, a gente consegue saber qual é a massa d’água, se a massa da água que estava lá em determinado período é a mesma que a gente tem hoje, se não, porque mudou ao longo do tempo. Todos os estudos são feitos com base principalmente em sedimentos marinhos. 

Maíra: E aí eu acho que eu preciso perguntar, né? Olhando para o passado, existiu algum momento em que a Terra fosse parecida com o que ela é hoje?

Maira Pivel: A gente procura isso nos registros dos testemunhos. Inclusive, me esqueci de comentar, mas a Karen falou dos canos de PVC que a gente grava sentimento é para pegar verticalmente essa história de acumulação e ver como se deu o surgimento ao longo do tempo. A gente chama isso de testemunhos justamente porque eles testemunharam as mudanças ao longo do tempo, né? Uma coisa interessante é que a gente tem um registro muito bom de como o clima e os oceanos mudaram ao longo do tempo, e a gente vê que muitas vezes o clima, por exemplo, tem tendência de ciclos glaciais e interglaciais, todo o quaternário marcado por ciclos glaciais interlaciais. Então esfria a Terra como um todo, em média, se esquenta, é em média, mas é muito comum que exista uma uma diferença entre hemisférios. Então quando começa a esfriar em um, esquenta no outro. E uma coisa que não tem precedentes é a tendência de aquecimento atual. No passado a gente vê muitos “esquenta-esfria”, mas nunca de uma maneira tão síncrona entre hemisférios como hoje. Tem trabalhos que mostram isso claramente: não há precedentes, não há registros paleoclimáticos depois de uma tendência de aquecimento tão generalizada como agora né? Como no período que a gente está.

Karen: E também não numa escala tão rápida, né Maria?

Maria Pivel: Exatamente.

Karen: no clima natural as coisas ocorrem de forma lenta, levam milhares de anos para as coisas acontecerem, e agora as coisas estão acontecendo em décadas, os aumentos estão sendo grandes e muito rápidos. A gente não tem um precedente similar no passado ao que está acontecendo hoje.

Maíra: então não dá para comparar?

Felipe: Quando a gente compara o que aconteceu, a gente tá falando em milhares de anos, e agora a gente talvez verifique o que a gente vê no passado em décadas, só que com a nossa presença. A gente não está preparado para essas mudanças.

Maíra: e existe uma forma de se preparar?

Felipe: A gente já mexeu com o clima e as consequências estão aí. Podemos amenizar isso. 

Karen: Por exemplo, a gente tem um período de tempo que tinha uma quantidade de CO2 tão grande quanto a gente tem hoje, que foi em 55 milhões de anos atrás, e é um período de tempo que a gente chama máximo termal do paleoceno-eoceno. É o máximo termal de 55 milhões de anos atrás. As quantidades de CO eram mais parecido com o que a gente tem hoje, por isso que é importante estudar esses períodos antigos: a gente consegue saber exatamente o que aconteceu depois daqueles aquecimentos muito grande.

Maíra: e o que aconteceu?

Karen:  um monte de coisas, várias distinções, né? Mas uma coisa importante que aconteceu é que os níveis de CO2 consequentemente levaram a uma acidificação dos oceanos, então grande parte dos oceanos não teve mais precipitação de carbonato, e sim dissolução de bicarbonato. Isso é importante principalmente por causa dos corais, que são organismos que secretam carbonato de cálcio em temperaturas quentes, e num oceano raso. Então se não tem condições de precipitar carbonato, porque a química dos oceanos mudou..

Maíra:  Por precipitar carbonato o que você quer dizer, exatamente?

Felipe: crescer o carbonato. Para formar uma conchinha, pequena que seja, precisa de carbonato. É a matéria-prima para a formação. 

Karen: Uhum, a composição do carbonato é CaCo3. Então a água do mar tem que estar com a quantidade de CaCo3 em equilíbrio para precipitar o carbonato, paa fazer conchinha. Então se você muda o Ca ou se você muda a quantidade de Co da atmosfera- o Co do mar é totalmente ligado ao Co da atmosfera, que entra no oceano e tem uma troca – você vai mexer no co3 do carbonato e toda sua química, você vai mexer no PH da água, na alcalinidade. Tudo isso vai facilitar, ou não, a formação desses organismos, Nesse período de tempo de 55 milhares de anos atrás, por exemplo, os sedimentos marinhos eram todos escuros pela ausência do carbonato de cálcio. E isso causa um problema na ecologia das espécies muito grande.

Maíra: você comentou que houveram extinções.

Karen:  algum ao organismos que dependem da conchinha do carbonato de cálcio para sobreviver podem ter sofrido muito nesse período de tempo.

Maria Pivel:  Uma coisa interessante que a Karen falou:  nos corais, a dificuldade deles calcificarem, deles formarem os esqueletos.. o Felipe também falou das Conchas, né? A gente pode pensar “ah é uma espécie ou outra, é um grupo de espécies, um outro grupo de espécies, mas na natureza tudo funciona interligado, então pense: quando a gente estuda na escola aquelas níveis tróficos, na verdade são teias tróficas. Se tirarmos alguns atores dentro do trófico, isso repercute em todos os demais níveis, nos ecossistemas como um todo. Por exemplo, hoje tem um um molusco que tem uma concha mais frágil ainda porque ela é feita de carbonato de cálcio, mas uma forma que é mais instável que calcita, que é a mais comum. Alguns grupos se tornam símbolos da acidificação dos oceanos, são considerados marcadores. A gente vê as conchas totalmente corroídas, com uma dificuldade de se formar as conchas. A gente não sabe se esses organismos vão viver sem concha ou não. Talvez não. Talvez sim, Mas se viver sem concha eles não vão ter o mesmo papel trófico, não vão cumprir a mesma função que cumprem hoje no sistema.E isso acaba repercutindo em recursos pesqueiros, então a gente pode pensar “não tô nem aí pra conchinha ali com aquela espécie,se ela for extinta não faz diferença”. Não, na verdade é aquela espécie cumpre um papel dentro de um emaranhado de relações entre organismos que acaba repercutindo, e já é visível na exploração de recursos pesqueiro. Então os recursos pesqueiros não sofrem só com a pesca ou com a pesca excessiva, mas também com as mudanças na própria produtividade dos oceanos. Corais também. Recifes de corais servem de berçário para muitas espécies que colocam as suas larvas ali. Servem para aumentar a produtividade biológica, e sem os recifes, tem toda uma reorganização dos ecossistemas. Fica um oceano mais pobre.  

Felipe: uma coisa quando a Maria fala de Recifes: além disso, se a gente esquecer mesmo a vida, eles também servem para proteger as costas, né? Então se você tirar os Recifes, vai aumentar muito a erosão, então mesmo que a gente não mexa no nível do mar essa praia pode deixar de existir por causa da erosão costeira. Você tira o que está protegendo, que seria natural. Se você pegar o nordeste brasileiro, é uma área que a gente chama de “praias famintas”, porque o aporte de de areia é pequeno, eles estão ali protegidos por uma grande barreira de corais. Agora se você tirar essa barreira de corais de uma praia que não recebe sedimentos praticamente, você vai acabar..

Maíra: Comendo toda a areia, acabar com a praia. E falando em nordeste brasileiro acabar com a praia é principalmente acabar com o turismo, né? E agora acho que para encerrar eu queria fazer uma última pergunta. Falamos muito sobre medir o passado, pensar no passado, e a gente comentou inclusive sobre o porquê que isso é importante, de olhar pra trás pra entender o agora. Então, tem como fazer previsões para o futuro? Por exemplo, se a gente continuar do jeito que estamos, se não fizermos alguma coisa, ou o que dá pra ser feito, tentar pensar em soluções ou caminhos que aliviem esse efeito antropogênico? … 

Felipe: As previsões seriam as piores possíveis. 

Maíra: Ah legal, encerrando com otimismo o episódio.

Felipe: A gente precisa terminar de poluir de qualquer forma. Seja até pelas vias respiratórias, porque  a gente tá respirando gases que são totalmente nocivos, né? Além do oxigênio a gente traz uma um monte de gases que não seriam ideais para para a saúde humana. Grande parte da população possui problemas pulmonares nos grandes centros urbanos por conta da poluição, né? E essa poluição hoje, quer dizer, esse aquecimento são as ilhas de calor que a gente tem, né? Claro, como a Maria e a Karen falaram, o planeta inteiro está mudando, de forma que ao mesmo tempo vemos coisas que nunca aconteceu. Mas essas ilhas de calor fazem com que o sistema de chuvas mudem de lugar, então assim, são duas coisas: se você tirar florestas, acaba com o sistema de chuva, ou seja, podemos chamar o sistema de “monções”, porque vão mudar de lugar.  Pontos que você tem chuva vão passar a ser secos. Claro que aí você vai dizer “mas tem lugares que são secos e vão passar a ter água”. Mas aí você imagina, vamos fazer uma analogia: nós estamos em São Paulo, são 12 milhões de habitantes. A chuva aqui é extremamente dependente da água que vem da Amazônia, ou seja, por rios aéreos.

Se você mudar isso, a cidade de São Paulo vai sofrer com uma seca permanente. Você vai desertificar uma cidade como São Paulo, vão ser 12 milhões de pessoas sem água. Então mesmo para aquele indivíduo que diga “eu não me importo”, ele vai se importar. Porque sem água não existe vida, então a coisa é bastante grave. E por isso que eu digo: as perspectivas, olhando pelos órgãos governamentais que fazem propaganda, mas não agem, são as piores possíveis. Quer dizer se a gente seguir no modo que nós estamos, o caminho é a tragédia, né? Não existe outra maneira. E não tem como remediar. Se você mudar o padrão de chuvas, e a gente já tá mudando, você não volta, você não religa esse padrão quando quiser. Então a gente vai ter que buscar água. Você pode dizer “a gente vai dessalinizar a água”. Mas o custo é extremamente elevado. Quer dizer, a inércia dos governos vai ter um preço muito alto: fome, miséria, sede, migrações climáticas.. Ou seja, não tem outra maneira de dizer, mas a gente tinha que fazer alguma coisa ontem.

Maira Pivel: diante das evidências, até há pouco tempo saiu um trabalho que mostrava que essas previsões do clima, de como o clima estava mudando, da ingestão de gás de efeito estufa na atmosfera, já há décadas se sabe, e algumas coisas foram escondidas. Então tem uma uma frase que até puxei a colinha aqui, que eu mostro no final da aula, quando eu termino as minhas aulas de antropoceno, é uma citação de Sherwood Roland, que diz: “do que que serve termos desenvolvido a ciência bem o suficiente para fazer a previsões, se no final das contas, tudo que estamos dispostos a fazer é sentar e confirmar que essas previsões acontecem mesmo?”. Então o ideal seria a gente pegar todo esse conhecimento para fomentar a mudança de políticas públicas, mudanças da matriz energética, é também para planejar medidas de mitigação e de adaptação. Isso ainda se tenta fazer, mas é muito pouco em relação ao tamanho do desafio que vem pela frente, né? 

Felipe: O otimismo seria uma mudança radical mesmo. Quer dizer os órgãos governamentais, políticas públicas sérias, têm que começar já. Não dá para ficar discutindo negociando, com o clima não tem negociação.

Maíra: Terminamos agora o episódio com muitas frases de efeito, né? Muitas frases reflexivas que a gente tem que pensar, cobrar do poder público, fazer a nossa parte, fazer ciência, divulgar a ciência, falar sobre os temas, e levar isso principalmente ao conhecimento da população. Porque é o que a gente comenta né? Enquanto você não sabe do que está acontecendo, você tem argumento de que não sabe, mas a partir do momento que você entende os fenômenos climáticos e entende que você pode agir, por exemplo, parando de poluir, tem que começar a fazer alguma coisa de fato. Porque já está no nosso alcance, né? Cobrar do governo está ao nosso alcance, não poluir está ao nosso alcance. E eu acho que a gente pode encerrar o episódio dessa forma. Trazendo a reflexão para quem acredita, para quem entende o quanto isso é importante.

Felipe: Sim, isso mesmo. De acordo.

Maíra: Então eu acho que a gente vai encerrando o episódio por aqui. Ah, aliás, a gente repetiu o trio que a gente tem no “Paleotema”, né? O paleotema é um podcast também feito com bolsa da Fapesp, um podcast da USP, na verdade. Pelo @lapas.iousp você nos encontra, e também com o nome paleotema, disponível no Spotify. Então se você gostou, por exemplo desse tema de paleoceanografia e outros relacionados à área, pode dar uma olhada lá também, e descobrir temas parecidos, informações novas, e sempre com informações a agregar. não é isso?

Felipe: Isso. foi um prazer estar aqui com vocês aqui, até a próxima.

Karen: Até a próxima. 

Maria Pivel: Até, um abraço. 

Maíra: Obrigado e até mais.

Este episódio teve a colaboração de Daniel Faria, bolsista do Serviço de Apoio ao Estudante da Unicamp e da Secretaria Executiva de Comunicação da Unicamp.

 

Veja também

#157 – Velhices digitais

#157 – Velhices digitais

Em entrevista para a Mayra Trinca, Cíntia Liesenberg, conta um pouco sobre o que encontrou em sua pesquisa sobre a relação dos idosos com o mundo digital que aparece em matérias da revista Longeviver. 

# 156 – “Morreu de velho não existe”

# 156 – “Morreu de velho não existe”

O episódio #156 trata dos processos do envelhecimento, que a velhice é muito heterogênea no Brasil, e que as condições de vida influenciam muito em como a velhice vai ser experienciada por cada pessoa dependendo de sua condição socioeconômica. E que a idade pode trazer novas e boas experiências, novas atitudes em relação à vida e aos relacionamentos.