#161 – Mudanças Climáticas e as Implicações do Relatório do IPCC: Episódio 2
mar 9, 2023

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Neste segundo episódio de Mudanças Climáticas e as Implicações do novo Relatório do IPCC (2021-2022) vamos continuar nossa conversa com a Nathalia, moradora da ocupação da Várzea em Recife, que foi bastante afetada pelas chuvas em maio de 2022; com Patrícia Pinho, pesquisadora do IPAM, e com o David Lapola , pesquisador do CEPAGRI, Unicamp, e que assim como Patrícia, também é autor do Sexto Relatório do IPCC. Se você não ouviu o episódio anterior, não deixe de ouví-lo antes ou depois deste.
Neste episódio tratamos, entre outros assuntos, sobre (1) as contribuições que nossos convidados pesquisadores deram para o novo relatório do IPCC nos capítulos em que foram autores; (2) o papel que o Brasil representa no combate às mudanças climáticas; (3) como as mudanças climáticas já estão afetando a resiliência do bioma amazônico; (4) como o desmatamento e a degradação florestal agravam esse cenário em seus efeitos negativos sobre os serviços ecossistêmicos e nos modos de subsistência das comunidades tradicionais da Amazônia (indígenas, quilombolas e ribeirinhos); (5) e sobre as medidas ou estratégias já adotadas no Brasil para o enfrentamento das mudanças climáticas.

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ROTEIRO

Leandro Magrini: Este é o segundo episódio de Mudanças Climáticas e as implicações do novo Relatório do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da ONU. O primeiro episódio foi lançado em outubro de 2022. No mês seguinte, foi realizada a 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, a COP 27, que aconteceu no Egito.

Mayra Trinca: Depois de duas semanas de negociações que quase fracassaram, um grande avanço histórico foi conquistado na COP27. Finalmente os países chegaram a um consenso para estabelecer um fundo específico para perdas e danos para os países mais vulneráveis às mudanças climáticas. O objetivo do Fundo é que os maiores responsáveis pela crise climática paguem pelos prejuízos causados por eventos extremos nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.
Leandro Magrini: O desafio agora será como operacionalizá-lo, ou seja, colocar esse fundo em funcionamento. De acordo com o Instituto Climainfo, “ainda não há clareza sobre os termos dos acordos de financiamento. A avaliação de quais países pagam e quais recebem também será uma questão importante a ser definida”.
Contudo, os países assumiram o “compromisso” de discutir a operacionalização do Fundo ao longo de 2023, até a COP28 deste ano, que acontecerá em Dubai, nos Emirados Árabes.

Por outro lado, temas essenciais no combate ao aquecimento global como a eliminação dos combustíveis fósseis – que são responsáveis, no nível global, por 86% das emissões de gases de efeito estufa lançados na atmosfera na última década – foram, mais uma vez, deixados de lado no texto final da COP27.

Leandro Magrini: Apresentamos agora este segundo episódio da série, logo após a mais recente tragédia devido a emergência climática, que aconteceu no litoral Norte de São Paulo em meados de fevereiro, e as vésperas do lançamento do último resultado do Sexto Relatório do IPCC, anunciado para o mês de março de 2023, que consiste numa síntese das três partes já divulgadas do Relatório.

[vinheta Oxigênio]

Mayra Trinca: Não, não foi uma chuva de verão! As chuvas que caíram entre sexta-feira (18) e sábado (19) de fevereiro no Litoral Norte de São Paulo foram as maiores registradas em 24 horas na história do país, segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, o Cemaden, e do Instituto Nacional de Meteorologia, o Inmet.

Leandro Magrini: A chuva que caiu em Bertioga, 683 milímetros acumulados no período de 24h, é o maior registro da história do país. Em São Sebastião, cidade mais afetada do litoral Norte de São Paulo pelas chuvas, foram 627 mm. Na tragédia em Petrópolis, em 2022, foram registrados 534 mm.

Mayra Trinca: Para cada milímetro de chuva que cai, o volume equivale a um litro de água despejado em uma área de 1 metro quadrado. Para se ter uma comparação, uma caixa d’água para uma casa de até 3 pessoas tem, em média, de 500 a 1.000 litros. Em São Sebastião, em que choveu cerca de 630 litros de água por metro quadrado, seria como se uma caixa d’água fosse despejada em cada m2 em 24h. Esse evento climático extremo resultou, até o momento, em pelo menos 54 vidas perdidas, mais de 30 pessoas desaparecidas, e 2500 desalojadas ou desabrigadas [atualizado para 65 mortes em 06/03].

Leandro Magrini: Em maio de 2022 as chuvas extremas ocorreram na região de Recife. No primeiro episódio, falamos desta tragédia, que é a segunda maior calamidade pública da história do estado de Pernambuco.
De acordo com a Agência Pernambucana de Águas e Clima, o mês de maio registrou praticamente o dobro do total de chuvas em relação à média histórica dos últimos 30 anos. Foram 22 dias de chuva no mês e no dia de maior índice, no dia 28, foram registrados 190 mm.

Em decorrência dos impactos e do número de pessoas afetadas pelas chuvas no final de maio, 31 municípios decretaram situação de emergência. E à época, o governador de Pernambuco anunciou recursos para auxiliar mais de 80 mil famílias.

Nathalia: Assim, choveram três dias consecutivos, sem parar, e aí como não tinha para onde escoar a água né, aqui mesmo não teve. E o pessoal que mora na beira do rio já foi totalmente afetado, entendeu?
O rio transbordou, e aí quando eu acordei simplesmente o pessoal estava desesperado, aquela gritaria. A água subiu muito rápido, e foi aquele desespero todo. A gente acordou assim, no meio das 5 horas da manhã, todo mundo desesperado tirando as coisas dentro de casa.

Leandro Magrini: Essa é Nathalia, representante do Movimento de Trabalhadores Sem Teto em Recife, que tem cinco ocupações na cidade. Nathalia é moradora da ocupação da Várzea, na região metropolitana de Recife, próxima ao rio Capibaribe, que junto com sua comunidade, foi bastante afetada pelas chuvas de maio do ano passado.

Mayra Trinca: Com a crise climática, tempestades, secas, calor e frio intensos estão se tornando cada vez mais comuns — e as pessoas que mais sofrem as consequências disso são as mais vulneráveis social e economicamente, que por descaso do poder público vivem em áreas de risco, como morros e encostas, e às margens de rios e áreas alagáveis. Sem um combate efetivo e urgente às mudanças climáticas e a injustiça ambiental, seguiremos chorando essas tragédias anunciadas, com uma frequência cada vez maior.

Leandro Magrini: Como disse no primeiro episódio a nossa entrevistada Patrícia Pinho, especialista em Ecologia Humana, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, o IPAM, e uma das autoras do Sexto Relatório do IPCC:

Patrícia Pinho: A emergência climática que vivemos é hoje muito mais grave, urgente, do que a sociedade ou a humanidade podia imaginar! Um exemplo que eu uso é sobre todos estarem vivendo a mesma tempestade. No entanto, o tipo de barco que a gente está é diferente; o tipo de equipamento que nós temos para enfrentar essa tempestade não é o mesmo.
As condições que você está, o status socioeconômico ou a cor da sua pele ou o lugar onde você mora – ele tem sim muito a ver com [o] grau de exposição à vulnerabilidade que você vai ter esse risco, embora todo mundo vai ser afetado, algumas populações estão nessa linha de frente, que são as populações mais vulneráveis.

Mayra Trinca: Além da Patrícia Pinho, neste episódio vamos continuar nossa conversa com a Nathalia, moradora da ocupação da Várzea em Recife; e com o David Lapola, pesquisador do CEPAGRI, Unicamp, e que assim como Patrícia, também é autor do Sexto Relatório do IPCC. Se você não ouviu o episódio anterior, não deixe de ouví-lo antes ou depois deste.

Leandro Magrini: Vamos falar aqui, dentre outros assuntos, sobre (1) as contribuições que nossos convidados pesquisadores deram para o novo relatório do IPCC nos capítulos em que foram autores; (2) o papel que o Brasil representa no combate às mudanças climáticas; (3) como as mudanças climáticas já estão afetando a resiliência do bioma amazônico; (4) como o desmatamento e a degradação florestal agravam esse cenário em seus efeitos negativos sobre os serviços ecossistêmicos e nos modos de subsistência das comunidades tradicionais da Amazônia (indígenas, quilombolas e ribeirinhos); (5) e sobre as medidas ou estratégias já adotadas no Brasil para o enfrentamento das mudanças climáticas.

Leandro Magrini: Patrícia, você foi autora do Sexto Relatório do IPCC, o AR6. O que o capítulo 8 sobre “Pobreza, Modos de vida e Desenvolvimento Sustentável” revelou sobre esses temas?

Patrícia Pinho: [Dentre as novidades estão] trazer para a linha de frente mesmo, o conceito de justiça climática; o conceito de limites de adaptação, ou seja, a necessidade de implementar estratégias de adaptação urgentes para evitar pontos de inflexão, sejam eles ecológicos como também sociais com relação ao aquecimento da temperatura global. O capítulo também trouxe com muita propriedade o papel da trajetória de desenvolvimento socioeconômico no Brasil, mas também globalmente, que tem levado a uma maior exposição dos ecossistemas e ampliado os impactos e os riscos para a população, e para as economias.

Esse capítulo também mostra que mesmo implementando estratégias de adaptação urgentes e necessárias algumas comunidades, populações em algumas regiões do mundo e alguns ecossistemas vão experienciar impactos residuais sejam eles econômicos ou não-econômicos independente dos esforços de adaptação.
Então são os riscos residuais que vamos ter que lidar, e é isso que tentamos minimizar. O relatório também traz a novidade das perdas não econômicas que são tidas como perdas mais subjetivas e não quantificáveis, mas que dá qualidade de vida a uma pessoa, uma cidade, um país. A gente trouxe essas evidências e também a própria evidência do ponto de inflexão social.

Nathalia: Foi muito rápido. Assim, teve pessoas que saíram das suas casas [e] não conseguiram tirar nada porque o nível da água subiu muito rápido. Quando a gente acordou o exército estava na rua. Assim, cenário de guerra. Muita gente ficou em escolas né, abrigado em escolas, porque não tinha como nem tirar seus pertences de dentro de casa.

A minha casa especificamente eu não perdi muita coisa porque eu já tinha feito uma reforma e aí a gente conseguiu conter algumas coisas. Mas os demais moradores não conseguiram salvar nada. Sabe, a água subiu muito rápido. As pessoas estavam tentando minimamente sair de suas casas e pegar o essencial né, que é documento roupas, muita gente perdeu roupa, perdeu móveis, documentos, tudo.

Leandro Magrini: A situação vivida por Nathalia em Recife, juntamente com outros milhares de moradores da cidade, exemplificam o que a Patrícia estava explicando, assim como a repetição deste tipo de tragédia, a mais recente ocorrendo no litoral Norte de São Paulo.

Mayra Trinca: Você poderia falar mais a respeito dos pontos de inflexão sociais Patrícia?

Patrícia Pinho: Esses pontos de inflexão são alguma pequena perturbação, seja ela ambiental ou climática. Ela gera uma desestabilização na sociedade, na comunidade, e faz com que exista uma transformação radical do comportamento, das opções de modo de vida.
Os pontos de inflexão sociais podem ser positivos. No entanto, o que a literatura tem mostrado é que têm sido muito negativos, e eles estão muito vinculados a um processo da erosão do modo de vida, aumento de conflitos, de violência, crises humanitárias e migração.

Leandro Magrini: A única casa de tijolos da ocupação era a de Nathalia, e conforme nos conta, ela vive com sua comunidade em uma área de alto risco, numa situação de completo abandono pelo poder público.

Nathalia: Destruiu tudo, então teoricamente vai ter que começar do zero. A única de tijolo até o momento é a minha. As demais são de palete de madeira, enfim, de lixo. Sim, a gente tem água encanada. A gente conseguiu puxar um cano, que no caso vinha da rua e a gente fez uma ligação. E a partir disso as pessoas fizeram suas passagens de água, mas ainda assim a gente só tem água até oito horas da noite.
Em relação a energia a gente está puxando de um poste e esse poste já está super sobrecarregado. Tratamento de esgoto até agora não. Infelizmente a gente ainda está com um processo de esgoto a céu aberto.

Leandro Magrini: E qual foi a sua contribuição para os dois capítulos do relatório em que participou, David?

David Lapola: O primeiro é o capítulo sobre América do Sul e Central. Esse capítulo fala muito dos impactos esperados de forma geral. Minha contribuição foi muito no conhecimento dessa questão da mudança climática afetando a Amazônia-Cerrado, aquela transição, nessa questão do tipping point Amazônico, ou às vezes chamado dieback ou savanização.

Lembrando, o IPCC não faz ciência nova, ele revisa ciência existente. Então assim, digamos que para América Central é mais pobre em literatura sobre impacto, vulnerabilidade e mudanças climáticas. Se há mais literatura para Amazônia do que para as planícies – essa vegetação de gramínea, por exemplo da Patagônia; essa porção mais Sul da América do Sul – então acaba sendo muito guiado esse nosso trabalho pelo corpo de literatura que existe.

A minha contribuição mais específica foi nessa parte bem de Amazônia transição com o Cerrado – desde impactos para biodiversidade, a própria distribuição de biomas, recursos hídricos na região, impactos para a saúde.

Mayra Trinca: O AR6 tem 18 capítulos que tratam de temas já tradicionais nos relatórios, como um capítulo para cada continente; outros que tratam de ecossistemas terrestres e de água doce; oceanos; saúde; pobreza e cidades. Este relatório traz ainda 7 capítulos adicionais que são novidades do IPCC, capítulos especiais que tratam, por exemplo, de florestas tropicais, e de áreas de alta biodiversidade, que são conhecidas como hotspots. E o segundo capítulo que você participou, David? Foi sobre florestas tropicais, não é? Quais foram os principais aspectos considerados?

David Lapola: Esse panorama geral sobre Floresta tropicais, como que vêm sendo impactadas por mudanças climáticas; o que as projeções estão dizendo? Eu contribui bastante nessa visão do tipping-point, mas também sobre biodiversidade, principalmente aqui na América do Sul – o impacto de mudanças climáticas sobre a biodiversidade – o que a gente sabe, o que a gente não sabe ainda; tem bastante buraco nessa área.
A própria questão de conservação; áreas de proteção de biodiversidade, unidades de conservação. Como que a gente vai lidar com isso em um mundo com mudanças climáticas, onde a distribuição das espécies pode mudar, mas o limite da sua área protegida ali fica o mesmo. Como é que a gente vai resolver isso. Já tem alguns estudos discutindo isso. A gente tentou trazer uma visão desses estudos.

Leandro Magrini: E qual o papel que o Brasil representa no combate às mudanças climáticas?

Patrícia Pinho: O Brasil tem uma posição estratégica para contribuir sobretudo através de evitar o desmatamento, seja ele de qualquer forma. O Brasil tem que zerar o desmatamento. Ele já mostrou ser possível aliar crescimento econômico e reduzir taxas de desmatamento, sobretudo no bioma da Amazônia, mas também de outros ecossistemas, tal como o Cerrado. Então o Brasil se comprometendo com o desmatamento zero vai estar deixando de contribuir com a emissão de gases de efeito estufa. O Brasil também estaria deixando de aumentar os riscos significativos dos impactos das mudanças climáticas na sua própria agricultura, na sua própria geração de renda e receita econômica, e também evitando perdas de recursos econômicos com a incidência de extremos afetando infraestrutura, mas também a segurança alimentar, energética e hídrica da população.

O Brasil conseguindo fazer esses esforços de redução do desmatamento vai estar colaborando significantemente através do seu NDC para o Acordo de Paris globalmente, e vai estar reduzindo impactos e riscos para o próprio país. A gente já mostrou que é capaz da gente ter um tipo de desenvolvimento mais sustentável, com maiores chances para atingir essa trajetória resiliente climaticamente.

Mayra Trinca: O período de 2002 a 2012 foi quando o Brasil realizou a maior redução do desmatamento da Amazônia, cujo menor valor foi alcançado entre 2011 e 2012 durante o governo Dilma Rousseff, quando o desmatamento ficou em cerca de 4.500 Km2, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE. O desmatamento é a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa do país, respondendo por quase a metade das emissões atualmente.

Na verdade, durante o governo Bolsonaro o Brasil se afastou a passos largos de seus compromissos assumidos no acordo de Paris. Dentre os compromissos assumidos pelo Brasil [Contribuição Nacionalmente Determinada, a NDC brasileira na sigla em inglês] estão o de zerar o desmatamento até 2030 e o de reflorestar 12 milhões de hectares.

Leandro Magrini: Em relação a Amazônia, sabemos que o aumento do desmatamento nos últimos quatro anos, de 2019 a 2022, tem comprometido fortemente a resiliência ecossistêmica do bioma. O aquecimento e as mudanças climáticas globais impactam os serviços ecossistêmicos e os modos de subsistência das comunidades tradicionais que vivem na região, que compreendem os indígenas, quilombolas e os ribeirinhos.

David Lapola: A Floresta Amazônica vem atuando como um sumidouro de carbono, prestando um serviço de enorme valor para humanidade. Ela e outras florestas tropicais ao absorver parte do gás carbônico que a gente joga na atmosfera. E claro que esse sumidouro pode ser impactado, pode até deixar de existir com as mudanças climáticas. Tem a questão dos povos tradicionais também – a importância que eles têm para manter a floresta, seja populações ribeirinhas, indígenas.

Mayra Trinca: Estima-se que a Amazônia possua armazenado em sua biomassa o equivalente a cerca de 10 anos de emissões globais de gases de efeito estufa por todos os países do planeta. Você pode saber mais sobre a Amazônia e sua importância para o clima global no episódio 129 do Oxigênio, que faz parte da série Escuta Clima. Participa dele o prof. Paulo Artaxo do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC.

Leandro Magrini: Mas quando David fala do papel desempenhado pela Floresta Amazônica como um sumidouro de carbono, ou seja, uma área natural que absorve gás carbônico presente na atmosfera e o estoca como carbono em sua biomassa como troncos, galhos ou raízes, ele está se referindo a regiões preservadas da Floresta.

David Lapola: Quando eu estava falando que a floresta vem atuando como um sumidouro de carbono, eu estou falando de florestas relativamente intocadas. Onde você não tem desmate, onde você não tem degradação e tal.
A degradação é aquela floresta que você olha do satélite, do avião. Você vê uma floresta ainda, mas já teve ali as madeiras mais nobres retiradas; já foi sujeita a algum fogo, ou então é uma floresta de borda, próximo dali há uma área agrícola que vai sendo degradada, também por conta do microclima ali na borda ser diferente.

Mayra Trinca: O aumento da área desmatada na Amazônia cresceu vertiginosamente a partir de 2016, não só na Amazônia mas também no Cerrado e Pantanal. Em 2021 o país perdeu cerca de 1,5 milhão de hectares de vegetação nativa, ou seja, vegetação primária que foi eliminada, segundo o Observatório Global de Florestas [GFW, na sigla em inglês].

Leandro Magrini: De acordo com trabalho publicado no final de janeiro na revista Science pelo climatologista Carlos Nobre e outros 19 autores de seis países, 17% da cobertura florestal da Amazônia já foi desmatada e 14% dela, convertida em áreas de produção agropecuária (pastos e plantações). Vale lembrar que a bacia Amazônica cobre pouco mais da metade do território brasileiro. Estudos recentes, como o da pesquisadora Luciana Gatti, do INPE, publicado em 2020 na revista Nature, mostram que algumas regiões da Amazônia, particularmente a região sudeste da floresta, já são uma fonte emissora de carbono.

David Lapola: Esse estudo conduzido de maneira muito bem liderada pela Luciana Gatti lá do INPE foi feito através de sobrevoos de avião, e mediu essas trocas de gás carbônico entre a atmosfera e a superfície. Ali é uma região que você tem tantas florestas naturais, mas você tem muito desmate, você tem muita degradação florestal. E aí quando você tem desmate, você emite o carbono; quando você tem degradação você emite menos carbono, mas emite também. E naquela região essa conta foi ultrapassada.
Está tendo mais emissão por desmatamento e degradação do que por absorção pela floresta intocada em si, mas esse método com avião, você não consegue separar a contribuição de cada um. O quanto a floresta lá preservada está absorvendo; o quanto o desmate está emitindo; ou o quanto de degradação está sendo emitida. Você só vê a conta total, se ela é positiva ou negativa. Já havia antes desse estudo essa noção de que na Amazônia, quando se considera só as florestas intocadas, ela vem atuando como sumidouro de carbono, está tirando o carbono da atmosfera e armazenando na sua biomassa.

A capacidade da floresta de fazer esse sumidouro vem diminuindo nos últimos 20-30 anos, mas ainda é um sumidouro. Aí quando você pega na escala da Bacia [Amazônica] toda e coloca as áreas desmatadas também, esse balanço ele pende ou para neutro, próximo de zero, ou para um balanço negativo, de você ter emissões. Quando você considera daí o terceiro processo que é a degradação, aí com certeza esse balanço fica negativo. Daí a região é de fato, quando você considera tudo e não só as florestas preservadas, aí ela é uma fonte de carbono para atmosfera, com o detalhe de que a gente tem muita incerteza. E qual é o nível dessa emissão de degradação? É um processo pouco estudado, pouco observado ainda.

Leandro Magrini: No final de janeiro deste ano, um estudo liderado por David e com a participação da Patrícia e de outros 32 autores avaliando a contribuição da degradação florestal da Amazônia para as emissões de CO2 estampou a capa da prestigiosa revista Science, juntamente com o estudo sobre desmatamento citado anteriormente.
O estudo analisou o período entre 2001 e 2018, e estima que da área da Floresta Amazônica remanescente, não desmatada, quase 40% já sofreu degradação florestal, e que as emissões de CO2 devido à degradação florestal na Amazônia podem ser tão grandes quanto, ou até maiores do que àquelas provenientes do desmatamento.

Mayra Trinca: De acordo com dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, o Imazon, o desmatamento acumulado nos últimos quatro anos entre 2019 e 2022 chegou a mais de 35 mil km², um aumento de quase 150% em relação ao quadriênio anterior, de 2015 a 2018, quando foram devastados cerca de 14.500 km².

Leandro Magrini: Em relação ao comprometimento do bioma Amazônico e nos modos de vida de seus povos tradicionais devido aos impactos das mudanças climáticas e do desmatamento da floresta Patrícia, o que já tem sido observado?

Patrícia Pinho: O comprometimento da resiliência do ecossistema tem promovido uma erosão, um efeito cascata no modo de vida das populações que são dependentes da floresta, sobretudo os povos indígenas e as populações mais tradicionais como ribeirinhos e também da população urbana pobre dessas áreas. O que a gente tem visto é que existe por conta de aumento dos vetores de desmatamento, existe uma maior exposição do ecossistema da floresta aos extremos climáticos.

Então a gente está tendo para a região maior incidência de secas e também enchentes de magnitude expressiva. E esses eventos eles não só estão se alternando ano a ano, mas eles estão também se sobrepondo no ano. Então está tendo uma seca seguida depois de uma enchente no próximo ano. Você tem uma enchente extrema em um ano e uma seca extrema no mesmo ano. Então você está aumentando a incidência desses eventos extremos na região e a magnitude deles.

E isso leva [a] uma erosão do modo de vida ou comprometimento da habilidade de se desenvolver ali uma agricultura – seja ela de subsistência ou para um mercado -, afetando recursos pesqueiros que é a base econômica e de modo de vida e valores nutricionais, proteicos para a população. Incidência de episódios de fogo e incêndios florestais têm levado ao comprometimento da saúde, sobretudo de jovens, crianças e idosos. Maior incidência de outras doenças que são vinculadas ao desmatamento e a fatores de extremos climáticos como a malária, dengue.

Leandro Magrini: E a consequência disso é a migração forçada das pessoas?

Patrícia Pinho: Isso está fazendo com que a população abandone sua moradia e vai buscar ajuda, soluções nos meios urbanos. Então está tendo uma maior migração. O que a gente tem falado que é uma maladaptação na realidade, porque essa população, que é tradicional, que é indígena, ela vai ocupar as áreas mais marginais das cidades onde a gente tem o maior comprometimento da qualidade de vida. Também são áreas sujeitas a extremos de inundação, e de seca, falta de saneamento básico. Essa população vai estar ainda mais marginalizada, sem conseguir entrar na força de trabalho – é o efeito que a gente chama de cascata. Então ela tem uma erosão cultural. É praticamente um ponto de inflexão social.

Leandro Magrini: E o que pode ser falado a respeito da percepção das pessoas no Brasil (ou de grupos, ou populações específicas) sobre a relação entre episódios ou eventos climáticos extremos e as mudanças climáticas? Há o reconhecimento dessa relação e dos impactos associados?

Patrícia Pinho: Sim, a gente tem tido evidência sobre o Brasil, o que a população pensa das mudanças climáticas. Eu acho que a maioria da população, sobretudo as que dependem de atividades agrícolas, atividades extrativistas, pesca – essa população já está percebendo. Ela já tem convivido e experienciado o que são as perdas econômicas e não-econômicas como saúde, cultura e modo de vida atrelado aos impactos de extremos de alternar sazonalidade. Quer dizer, o período de plantio e colheita tem mudado, e ele não tem só mudado para se estabelecer um novo calendário, ele tem mudado o ano.

Então são perdas que não são esperadas. Existe um grande grau de incerteza para os indivíduos com relação ao que fazer porque a cada ano você tem um comprometimento diferente e mais exacerbado. Ondas de calor têm sido experienciadas pela maior parte da população.

Agora eu vou falar de um estudo, inclusive o professor David Lapola é participante. A gente fez uma investigação, realmente, do que as pessoas tem experienciado de impactos das mudanças climáticas no estado de São Paulo em diferentes bacias hidrográficas e mais de 97% delas têm falado que tem sentido e tem experienciado um aumento da temperatura, e consequentemente, afetando a saúde, o bem-estar, a renda. Têm lidado também com comprometimento de infraestrutura.

Mayra Trinca: O estudo citado por Patrícia foi publicado na revista científica Regional Environmental Change no final de maio de 2022 com acesso aberto, e pode ser visto junto às referências fornecidas na nossa página do Oxigênio no final do episódio.

Leandro Magrini: Nesse cenário é inevitável nos perguntarmos: qual a situação de adaptação das pessoas às mudanças climáticas no Brasil –, temos medidas ou estratégias já adotadas?

Patrícia Pinho: No país não existem medidas de adaptação estabelecidas e implementadas em grande escala. O que a gente tem visto são adaptações autônomas das pessoas, das comunidades, dos indivíduos tentando se adaptar aos eventos e as mudanças climáticas. O que tem sido mostrado é que tem um comprometimento nessa habilidade autônoma de resposta.
Por isso é necessário institucionalizar e dar escala à estratégias de redução de risco no país, tanto para as pessoas como para a economia porque a gente vai atingindo pontos onde em algum momento com a perda, por exemplo, dos ecossistemas, a ação humana não será capaz de repor esse serviço perdido.

David Lapola: Na verdade a gente tem a Política Nacional de Mudança do Clima que foca muito em mitigação e nem essa mitigação só a gente tá conseguindo fazer a contento. A gente prometeu em Lei que ia reduzir o desmatamento da Amazônia em 80% até 2020. Não fizemos isso. Em 2020 era para estar em torno de três a quatro mil quilômetros quadrados de desmatamento por ano. A gente estava longe disso.

Mayra Trinca: Segundo o Imazon, em 2022 tivemos o quinto recorde anual consecutivo de desmatamento na Amazônia, que chegou a mais de 10.500 km². O desmatamento acumulado de 2019 e 2022 chegou a mais de 35 mil km², uma área maior que o estado de Alagoas, que possui 27 mil km². Isso equivale à derrubada de quase 3 mil campos de futebol por dia de floresta.

David Lapola: Nós temos uma política estadual em São Paulo, por exemplo, de mudança do clima com muito foco em mitigação também. Nós temos uma política municipal de mudança do clima em Campinas com muito foco em mitigação também. O que eu acho que está faltando desde o âmbito federal, mas principalmente no âmbito local, é adaptação. E nisso nós estamos pouco preparados.
Eu acho que fazer o dever de casa, de parar desmatamento e começar a pensar numa agricultura mais de baixo carbono. Isso é razoavelmente simples. Exige vontade política.

Leandro Magrini: Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente no final de 2022, estamos voltando a ter esperanças de caminharmos novamente na direção certa em relação às questões ambientais no país.

O primeiro compromisso internacional de Lula como novo presidente foi justamente a COP27.
Em seu pronunciamento, Lula se comprometeu em zerar o desmatamento e a degradação da Amazônia e dos demais biomas nacionais até 2030; e também em reestruturar e fortalecer os órgãos de fiscalização e os sistemas de monitoramento para poder punir os crimes ambientais.

Dentre as medidas importantes já observadas que podem ser citadas estão: a nomeação de ministros com conhecimento técnico e grande experiência na área ambiental; a criação do Ministério dos Povos Originários; e a reativação do Fundo Amazônia na semana do dia 20 de fevereiro, que estava paralisado desde 2019.
O Fundo Amazônia pode desempenhar um papel importante no apoio ao plano de ação do governo para reduzir o desmatamento e alcançar um desenvolvimento sustentável na Amazônia.

Mayra Trinca: Mas que medidas ou estratégias para aumentar a resiliência climática das pessoas e da natureza poderiam ser adotadas? De que soluções nacionais ou locais a gente dispõe?

Patrícia Pinho: O que se mostra como estratégias factíveis das pessoas é sobretudo para a população mais vulnerável. A gente sabe que mecanismos de proteção social, bolsa família, bolsa floresta, reduz muito os riscos dos impactos da mudança climática – reduz a insegurança alimentar, hídrica, a proliferação de doenças; a habilidade das pessoas a terem resposta. Uma estratégia também realocação – ter um ordenamento territorial que evite, tire as pessoas de situação de risco. E a gente tem estratégias bem sucedidas de pagamentos de serviços ambientais, mas também soluções baseadas na natureza – que é trazer os meios naturais, a recuperação para o meio urbano onde você tem desde jardins filtrantes que limpam, filtram a água até também redução da temperatura atmosférica com plantio de árvores.

Leandro Magrini: Bolsa Família eu conheço e acho que nossos ouvintes também, mas bolsa floresta acho que pouca gente conhece. O Programa Bolsa Floresta constitui uma política pública do estado do Amazonas, e começou em 2007.

O programa tem como objetivos acabar com o desmatamento e promover a melhoria da qualidade de vida das populações tradicionais residentes nas Unidades de Conservação (UCs) do estado do Amazonas. Entre 2010 a 2015, foram apoiadas a implantação de mais de 2.400 projetos de pequeno porte de geração de renda em 16 Unidades de Conservação do Amazonas, e chegou a atender quase 10 mil famílias em 2015.

Foram apoiados principalmente projetos relacionados às cadeias produtivas do pirarucu, do açaí, da castanha-da-amazônia, do cacau, de madeira manejada, do artesanato e do turismo de base comunitária. E os recursos para este Programa vieram justamente do Fundo Amazônia de que falamos há pouco.

Nathalia: Foi dito que a gente teria que ter chamado a defesa civil e a gente chamou depois que a água deu uma amenizada. A Defesa Civil veio aqui mas não entendeu como risco porque a gente não tem barreiras [no] entorno. Então eles entenderam que a gente só teve perda material. E aí não entra no processo de auxílio. E aí a gente está esperando a posição da prefeitura – como é que a gente pode proceder em relação a isso? Eles fizeram algumas fotos e a gente está esperando o relatório, que eles falaram que iriam enviar para nós.
A gente iniciou uma campanha de arrecadação de alimentos, de comida, de lençol e desse pix solidário. A gente tem uma página no Instagram. E aí tem lá, alguns mutirões que a gente fez. A gente comprou aterro com esse dinheiro do pix solidário e a gente está se organizando para fazer um dia novamente. E aí a gente conseguiu pelo menos salvar a passagem, para que as pessoas que estejam morando lá atrás ainda tenham pelo menos acesso, a saída e entrada no quilombo [= na ocupação].

Mayra Trinca: Essa era a situação de incerteza e abandono pelo poder pública vivida por Nathalia e sua comunidade da Ocupação algumas semanas após a calamidade em Recife.

Leandro Magrini: As barreiras de que a Nathalia fala são áreas de encostas sujeitas a deslizamentos. Nessa primeira semana de março voltei a falar com a Nathalia. Passados mais de nove meses desde as chuvas de maio do ano passado, ela conta que a comunidade não recebeu nenhum retorno sobre o Relatório da Defesa Civil e nem da prefeitura, e a essa altura, já não têm mais expectativas de conseguirem algum auxílio do governo.

Leandro Magrini: E em relação a adaptação David, o que você destacaria?

David Lapola: Adaptação é ainda até uma questão científica sabe; [a] academia ainda tem muito [a] ajudar a elencar essas alternativas de adaptação e isso tem que ser sempre feito de forma conjunta com os atores envolvidos -, quem vai ter que se adaptar. Nisso eu vejo pouca coisa ainda. Uma coisa que eu poderia destacar [e] que serve como exemplo, [é] o Hub Internacional de Desenvolvimento Sustentável capitaneado pela Unicamp. Eu venho batendo bastante na tecla nas reuniões que eu participo, nos debates da gente planejar um HIDS com alta cobertura de vegetação, com alta cobertura de árvores. O que seria ao mesmo tempo emblemático, por nós sermos o país floresta.

Mayra Trinca: HIDS é o acrônimo em inglês para o Hub Internacional de Desenvolvimento Sustentável que está sendo criado em Campinas, como disse o David, capitaneado pela Unicamp, e que envolve universidades, a agência de inovação, o parque tecnológico, empresas de tecnologia, prefeitura, e é um projeto bem ambicioso.

David Lapola: E por outro lado, essa alta cobertura florestal, nessa nova área urbana em Campinas traria benefícios, não só por essa questão de mudança climática -, tanto para a parte de mitigação ao absorver um pouquinho de carbono, mas também na parte de adaptação ao reduzir as temperaturas urbanas.
Podia ter economia de energia; a questão de biodiversidade dentro de áreas urbanas; bem-estar humano. Mas claro, não é tão simples assim. A gente ter qualquer tipo de árvore, depende do tipo de urbanização, de prédios que você vai ter.
É um exemplo, esse pensamento de áreas verdes funcionando como um coringa para resolução de vários problemas.

Leandro Magrini: Como foram quase cinco anos de trabalho para a produção do 6º Relatório do IPCC, perguntei de que modo as novas conclusões do IPCC interferem ou influenciam as pesquisas e projetos desenvolvidos por nossos convidados?

Patrícia Pinho: As minhas pesquisas têm sido muito vinculadas ao que eu desenvolvi para o IPCC. Embora o IPCC só faz a revisão da literatura – ele fala o que a literatura tem dito. Então, os limites de adaptação têm sido o grande vetor das minhas pesquisas. Trabalhar com pontos de inflexão sociais também tem sido estimulado, sobretudo para [a] Amazônia. Tenho também trabalhado com a caracterização, uma tipologia por tipo de perigo climático e população afetada e vulnerabilidade na Amazônia, trazendo também as perdas não só materiais, mas também não-materiais -, como associada a perda do modo de vida, de identidade, de cultura, de saúde, e que são muito vinculadas a qualidade ecossistêmica, do meio ambiente.

David Lapola: Eu tenho dedicado bastante do meu tempo, ao projeto AmazonFACE, esse experimento de fertilização por gás carbônico ao ar livre lá na Amazônia, o primeiro desse tipo em qualquer floresta tropical. Saber como as florestas tropicais e Amazônia principalmente, por conta desse tipping point, vai reagir. Se existe esse efeito de fertilização por CO2, quão forte ele é, quanto tempo ele dura? Isso tem uma importância tremenda e não é de hoje que o IPCC já vinha apontando, na literatura científica, a necessidade de se ter um experimento desse tipo. Então nesse sentido, estamos casados com o IPCC, e vamos tentar preencher pelo menos parte desse buraco científico até o próximo relatório ou AR7.

Por outro lado, a gente já vem se dedicando vagarosamente, inclusive de maneira integrada um pouco ao AmazonFACE, a pesquisas focando em adaptação, inclusive, usando um conceito: adaptação baseada em ecossistema.

Leandro Magrini: O AmazonFACE é um amplo programa de pesquisa de cooperação internacional sediado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o INPA, e na Unicamp, sendo financiado pelo governo britânico, e pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações, o MCTI, do Brasil. O programa conta com a participação de dezenas de pesquisadores do país, e de instituições nos Estados Unidos, Austrália e Europa.

Leandro Magrini: David, você acha que a relevância do tema de emergência climática deve atrair mais investimentos, mais recursos de agências nacionais e internacionais para apoiar projetos que desenvolvam pesquisas e soluções para os problemas relacionados ao clima?

David Lapola: Acho que vai cada vez surgir mais nas agências de fomento, editais para financiar pesquisa em adaptação à mudança climática que aparece muito pouco, seja no portfólio de projetos de Fapesp, CNPq e tal, como nos grupos de pesquisa no Brasil que fazem isso. Ainda é muito pouco. O Brasil ainda carece bastante de um corpo de expertise nisso. Tem um projeto – inclusive a gente tá surfando essa onda -, que eu tenho uma participação menor como pesquisador colaborador – chama-se CiAdapta. Ele é coordenado pela Gabriela Di Giulio, professora na Faculdade de Saúde Pública da USP de São Paulo. Esse projeto vem se debruçando sobre como as cidades brasileiras estão preparadas para se adaptar à mudança do clima e os prospectos, os primeiros resultados, não são tão animadores não, viu. Eu acho que vai movimentar essa agenda na área da adaptação.

Mayra Trinca: Em pesquisa sobre a percepção pública do brasileiro em relação às mudanças climáticas, realizada pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio) em 2022 foi revelado que o brasileiro tem bastante interesse pelo tema, mas em sua maioria, cerca de 80% consideram que sabem pouco sobre o assunto. Nesses tempos em que cada vez mais precisamos nos preocupar com a confiabilidade das informações que chegam até nós, quais referências você indicaria para as pessoas Patrícia?

Patrícia Pinho: É, realmente a gente precisa falar mais com as pessoas, trazer mais a mudança climática para o dia a dia, para que tenha escala e aderência à necessidade de adaptação urgente; para [a] redução de riscos.
Eu sugiro – vou fazer até uma propaganda – vocês olharem um pouco o canal do IPAM. A gente tem promovido uma série de vídeos curtos que falam especificamente sobre as mudanças climáticas. São vídeos de dois ou três minutos. Por exemplo, agora a gente está falando de justiça climática e tá trazendo especificidade sobre adaptação na prática. O que seria mudança climática na prática. Então é bem ilustrativo.

Sugiro para vocês olharem no site do próprio IPCC. Seguirem também a professora Katharine Hayhoe que é uma cientista climática, professora na Universidade Tecnológica do Texas.

Ela escreveu um livro interessantíssimo, Saving Us, e ela fala muito sobre o papel da Ciências Sociais; ou papel da gente poder falar uns com os outros e se conectar realmente com a mudança climática, para para entender que qualquer solução importa.

Também sugiro a gente olhar para o nosso próprio país. Pensar no Davi Kopenawa ou nas comunidades indígenas que deixaram sua literatura, das evidências do grau de exposição que o modo de vida ocidental tem provocado nessa população – o desenvolvimento econômico predatório e ao mesmo tempo os impactos, a mudança climática, e como elas lidam com isso. Eu gosto também muito do Ailton Krenak.

Leandro Magrini: Como mensagem final, Patrícia foi bem incisiva sobre a necessidade de alertar a sociedade sobre os impactos das mudanças climáticas.

Patrícia Pinho: Eu gostaria de lembrar que esse relatório é fruto de 270 autores. Muitos deles mulheres, muitos deles jovens, muitos deles cientistas sociais que é uma vertente de inclusão nova nos relatórios do IPCC. Eu queria que as pessoas atentassem para quando elas lerem esse relatório que é um alerta do sofrimento humano às mudanças climáticas.

Mayra Trinca: As entrevistas e a produção do roteiro deste episódio são de Leandro Magrini.

Leandro Magrini: A apresentação foi feita por mim e pela Mayra Trinca.

Mayra Trinca: A revisão do roteiro foi feita pela coordenadora do Oxigênio, a profa. Simone Pallone, do Labjor/Unicamp. Os trabalhos técnicos são de Octávio Augusto Fonseca, da rádio Unicamp.

Leandro Magrini: Agradecemos Moara Canova, doutoranda do Programa de Pós Graduação Ambiente e Sociedade do NEPAM pela indicação da Nathalia, moradora de Recife, para falar conosco. Você pode acompanhar a comunidade de Nathalia no instagram  e ajudá-los participando das campanhas que têm realizado para melhorar as condições de infra-estrutura em sua comunidade.

Mayra Trinca: As referências utilizadas neste episódio, bem como as entrevistas publicadas com nossos convidados podem ser encontradas em nossa página, www.oxigenio.comciencia.br. Sugiro também que você ouça o primeiro episódio sobre a Emergência Climática e as implicações do novo Relatório do IPCC e também os episódios da série Escuta Clima.

Leandro Magrini: Os episódios “Emergência Climática e as implicações do novo Relatório do IPCC” fazem parte do projeto “Divulgação científica para fortalecer a defesa pela preservação da Biodiversidade” que desenvolvi com o apoio da Fapesp através da Bolsa Mídia Ciência.

Mayra Trinca: Gostou do programa? Você pode nos acompanhar nas redes sociais. Estamos também no Instagram e no Twitter, basta procurar por “Oxigênio Podcast”. Conte para a gente o que você achou deixando sua opinião, sugestões ou perguntas sobre este e demais episódios comentando na plataforma de podcast que utiliza.

Leandro Magrini: Agradecemos por nos acompanhar, e fiquem ligados no Oxigênio. Até breve!

Para saber mais

Entrevista com o Dr. David Lapola (Cepagri/Unicamp)
Revista ComCiência, novembro de 2022

((o))eco, outubro de 2022
Maior problema climático na Amazônia é o ponto de não-retorno, diz pesquisador

Entrevistas com a Dra. Patricia Pinho (IPAM)
Revista ComCiência, junho de 2022

((o))eco, junho de 2022
Maior problema climático na Amazônia é o ponto de não retorno, diz pesquisador

Referências
As mais recentes diretrizes para o enfrentamento da mudança do clima. Revista Pesquisa Fapesp, março de 2022.
https://revistapesquisa.fapesp.br/as-mais-recentes-diretrizes-para-o-enfrentamento-da-mudanca-do-clima/

Brasil lidera ranking mundial de desmatamento florestal em 2021, diz organização. CNN Brasil, abril de 2022.
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/brasil-lidera-ranking-mundial-de-desmatamento-florestal-em-2021-diz-organizacao/

Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability, the Working Group II contribution to the Sixth Assessment Report. Fevereiro, 2022.
https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-working-group-ii/

David Lapola e colaboradores. The drivers and impacts of Amazon forest degradation. Science, janeiro de 2023.

IPCC, AR6, Grupo 2 – Resumo. Observatório do Clima, fevereiro de 2022.
https://www.oc.eco.br/wp-content/uploads/2022/02/OC-IPCC-FACTSHEET21.pdf

IPCC, AR6, Grupo 1 – Resumo. Observatório do Clima, agosto de 2021.
https://www.oc.eco.br/wp-content/uploads/2021/08/OC-IPCC-AR6-FACTSHEET_FINAL.pdf

Litoral de SP: as diferentes camadas da tragédia e porque ela pode se repetir. ((o))eco, março de 2023. 2022.
Patrícia Pinho e colaboradores. Climate change affects us in the tropics: local perspectives on ecosystem services and well-being sensitivity in Southeast Brazil. Regional Environmental Change, 2022.

Reportagem do G1 (vídeo), que teve trechos apresentados no começo do episódio. G1-Globo, fevereiro de 2023.
https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2023/02/26/imagens-ineditas-revelam-detalhes-da-tragedia-devastadora-que-atingiu-o-litoral-norte-de-sao-paulo.ghtml

Sobre a NDC brasileira e sua atualização. Política por Inteiro, abril de 2022.
https://www.politicaporinteiro.org/2022/04/07/atualizacao-da-ndc-brasileira-vai-contra-acordo-de-paris-ao-nao-elevar-ambicao-climatica/

Webinário Fapesp Mudanças Climáticas: Lançamento do novo relatório do IPCC Grupo de Trabalho 2. Agência Fapesp.
https://www.youtube.com/watch?v=pusHlS0wSEA

Workshop: Lançamento do novo relatório do IPCC Grupo de Trabalho 1. Agência Fapesp.
https://www.youtube.com/watch?v=uD7FCs4XM1M

Veja também

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Em entrevista para a Mayra Trinca, Cíntia Liesenberg, conta um pouco sobre o que encontrou em sua pesquisa sobre a relação dos idosos com o mundo digital que aparece em matérias da revista Longeviver. 

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