#131 – Ainda é necessário usar animais para testar cosméticos?
jun 25, 2021

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O episódio de hoje trata de uma assunto polêmico: é ético fazer testes em animais para garantir a segurança dos produtos cosméticos utilizados pelos humanos? A animação Save Ralph, produzida pela organização Humane Society International, trouxe à tona essa questão e o Oxigênio resolveu investigar!

Para entender melhor, a jornalista Rebecca Crepaldi e a bióloga Fernanda Capuvilla entrevistaram dois convidados: Victor Infante, Doutor em Ciências Farmacêuticas com ênfase em medicamentos e cosméticos pela USP, e Ana Carolina Figueira, Doutora em Ciências na área de Física Aplicada Biomolecular, também pela USP, e, atualmente, pesquisadora e coordenadora do Laboratório de Espectroscopia e Calorimetria do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).

A discussão, então, gira em torno da história da testagem em animais, do avanço da Ciência e da existência de testes alternativos para muitos experimentos!

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Rebecca: Quem usa as redes sociais, certamente ouviu falar ou assistiu nas últimas semanas, a animação “Save Ralph” que foi produzida pela Humane Society International. Trata-se de uma animação em stop-motion que conta a vida de um coelhinho de testes chamado Ralph.

Fernanda: “Save Ralph” é um curta escrito e dirigido por Spencer Susser, com a voz do ator Rodrigo Santoro para sua versão em português.

Na animação, Ralph relata o seu dia de trabalho, mas o que de fato chama a atenção são as condições nas quais o coelhinho se apresenta no vídeo, com a pele, orelha e olhos machucados. Isso sensibiliza os telespectadores em relação ao sofrimento dos animais, que passam a se questionar sobre a necessidade destas cobaias.

Rebecca: Mas, será que ainda precisamos utilizar os animais para fazer esses testes de segurança para o uso dos produtos cosméticos?

Fernanda: Eu sou Fernanda Capuvilla

Rebecca: E eu sou Rebecca Crepaldi

Fernanda: E no episódio de hoje vamos falar sobre testes em animais para produtos cosméticos e quais seriam as suas alternativas.

Rebecca: E para entender melhor sobre esse assunto, trouxemos dois convidados:

No primeiro bloco, vamos ouvir Victor Infante, graduado em Farmácia e Bioquímica pela Universidade de São Paulo e Doutor em Ciências Farmacêuticas com ênfase em medicamentos e cosméticos, pela USP.

Fernanda: Já no segundo bloco, o bate-papo será com Ana Carolina Figueira, bióloga formada pela UFSCar e Doutora em Ciências na área de Física Aplicada Biomolecular pela USP. Atualmente, é pesquisadora e coordenadora do Laboratório de Espectroscopia e Calorimetria do Laboratório Nacional de Biociências, na sigla LNBio, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, o CNPEM.

[VINHETA OXIGÊNIO]

Fernanda: Você sabia que, historicamente, os testes em animais são realizados há muito tempo? Pois é, desde 300 a.C. já existem registros de pesquisadores gregos que realizavam experimentos em animais vivos.

Rebecca: Mas, Fernanda, 300 a.C. tá longe né? Vamos trazer mais pra perto? Em 9 de dezembro de 1946, houve um acontecimento conhecido como Tribunal de Nuremberg. Neste Tribunal, vinte e três pessoas foram julgadas pelos brutais experimentos realizados em seres humanos durante a segunda guerra mundial. Como consequência, em 19 de agosto de 1947, foi criado um documento que ficou conhecido como Código de Nuremberg. Este documento tornou-se um marco na história da humanidade, pois pela primeira vez, estabeleceu-se uma recomendação internacional sobre os aspectos éticos envolvidos na pesquisa com seres humanos. Ao todo, o código era composto por 10 princípios, sendo que o terceiro deles exigia que os testes fossem feitos em um modelo animal antes de passar para um voluntário humano.

Fernanda: Apesar de parecer crueldade, para a época foi um ganho positivo, já que estava poupando o sofrimento dos humanos. Contudo, a Ciência foi evoluindo e viu-se a necessidade de criar conselhos e códigos voltados para testes em animais.

Rebecca: Isso mesmo! Atualmente, quase 40 países, incluindo a Índia, Taiwan, Coreia do Sul, Guatemala, Nova Zelândia e Austrália proibiram a testagem em animais. A campanha conduzida pela Humane Society International é responsável por grande parte desse avanço ao redor do mundo e, agora, está encabeçando ações legislativas similares em outros países como: Chile, México, Estados Unidos, Canadá, África do Sul e Sudeste Asiático. Chegando este ano também ao Brasil.

Fernanda: A criação da Comissão de ética no Uso de Animais na Fiocruz ocorreu em 2005, passando a ser uma das primeiras instituições no Brasil a ter esse tipo de órgão. Em 2008, o senado brasileiro aprovou por unanimidade a Lei Arouca, criando assim o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal, o Concea, que regulamenta o uso de animais em experimentos científicos. Já em 2012, a Rede Nacional de Métodos Alternativos ao Uso de Animais, a RENAMA, foi criada e a Fiocruz criou o seu Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos.

Rebecca: E toda essa legislação é direcionada aos testes em animais para fármacos e também cosméticos. Mas, nesse episódio, falaremos sobre cosméticos. E o que são eles?  Eles vão desde enxaguante bucal a produtos de maquiagem, hidratantes, shampoo, condicionador e sabonete. Todos eles precisam ser testados porque estão em contato com a pele, não é mesmo. Victor, Explica para a gente!

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Victor: Vamos fazer da pessoa que consome até a cadeia de produção, né? Então, a pessoa que consome, ela vai tá exposta a alguma coisa, quando você vai aplicar um produto, você tá exposta a esse produto ele não vai ter necessariamente, a gente espera que um cosmético não tenha essa circulação co-sistêmica, que não penetre esse tanto na pele e tudo mais, ele pode levar a problemas, como, por exemplo, se você tem um cosmético que atua, vamos supor, nos olhos, então, você tá passando um lápis de olho, alguma coisa, você tá expondo uma mucosa, essa mucosa, ela é altamente permeável, além de ser altamente permeável ela é altamente sensível. Então, a gente precisa saber o que que é sensível nessa mucosa, tá? Isso aqui é importante. Por que que é importante? Porque daí, se a gente tá falando sobre testes, a gente tá falando também sobre  a nossa responsabilidade enquanto consumidor, a gente tá consumindo alguma coisa e a gente precisa que isso seja seguro. Você quer que o seu produto cosmético seja seguro. Você tem a segurança de passar e que ele seja seguro, certo? Então, se alguma coisa vai ser comercializada nesse sentido, ela precisa passar por testes que garantam que seja seguro. Bom, aí você vai passar pro produto finalizado. Então, é o produto que você compra. Esse produto que você compra, a gente já não faz mais testes em cosméticos

Mas, a grande questão é quando a gente volta um pouco antes e vai para as matérias primas e vão compor esse cosmético, para gente garantir que ele vai ser seguro, a gente precisa primeiro garantir que essas matérias primas sejam seguras, né? Que aí quando você vai formular alguma coisa, se você é um farmacêutico ou o químico que vai fazer essa formulação, você vai, primeiro, olhar, se todas as matérias primas, elas são seguras, quais concentrações elas são seguras, em quais partes do corpo você pode aplicar com segurança, para daí você fazer a formulação, né? É um pouco diferente de você criar uma formulação sem ter essa informação prioritária. Então, você tem essa informação, primeiro, dada nesse ponto. Esse ponto de cada matéria-prima separado. E aí, aqui é ponto, é onde fica mais problemático. Onde, muitas vezes, a gente precisa ou não fazer e a discussão onde vai tá sobre essa questão dos testes em animais

Rebecca: No inicio do podcast, nós contextualizamos o ouvinte acerca do Código de Nuremberg, onde foi estipulada a necessidade de testar em um modelo anima. Mas gostaríamos de entender um pouco melhor, é ético testar em animais?

Victor: Antes de você testar alguma coisa no ser humano, você precisa testar em um modelo animal. Naquela época, né? Se a gente pensa nos anos 40, você não tem a nossa modernidade de hoje em dia, então, e o envolvimento e o desenvolvimento tão profundo da ciência nesse sentido de conseguir desenvolver novos testes, né? Então, assim, do ponto de vista ético, se a gente olhar nessa perspectiva, é. Agora, a outra questão que a gente tem que levar em consideração é, onde estamos, o que conseguimos desenvolver até então. Porque daí se a gente conseguiu desenvolver e sair daquela perspectiva, então, a gente tem que rever quais são os pontos e qual que é a necessidade de utilização, tá? Então, isso é um ponto muito importante.

Para você trabalhar com o animal, não é simplesmente pegar um animal e fazer um teste, existe um comitê de ética. Existe todo um grupo de pessoas que vai avaliar se isso É ético ou não. Nesse ponto de vista, se esse teste, ele envolve um sofrimento, ele envolve o uso de animal e a gente já pode reduzir, na verdade nem utilizar, pode substituir esse animal por outros métodos, esse teste já não vai ser mais utilizado do ponto de vista ético, ele já não faz muito sentido. Então, a ética é uma coisa que ela vai evoluir junto com a nossa perspectiva humana e também com a nossa perspectiva enquanto ciência. Enquanto que a ciência, ela pode dar pra gente subsídios para que a gente consiga chegar em respostas de acordo com o que a gente procura, com aquela metodologia.

Rebecca: Vamos falar agora sobre o vídeo do coelhinho. Qual é o teste que aparece na animação? Como ele funciona? Ele ainda é utilizado atualmente?

Victor:  Olha, é o teste de Draize, ele é de 1944. Esse teste, como vocês podem ver, ele é bem antigo, né? E ele vai ver uma irritação ocular do coelhinho. Então, você coloca o produto no olho e você vê a irritação, o grau de irritação. Então, se a gente pensar numa perspectiva histórica, esse teste é de 1944, antes de Nuremberg, antes da gente passar por essa discussão bem humana sobre o que que são as os testes em animais. Então, ele tem uma perspectiva histórica meio complicada, digamos assim. Bom, aí a gente vai evoluindo, né? E a gente vai evoluindo e a partir um tempo, depois dos anos 60, principalmente, começam-se a repensar a utilização de animais em alguns modelos de estúdio, especialmente esses modelos que eles acabam envolvendo muita, muito sofrimento animal e começa a rever todo um pensamento que, bom, então, a gente pode repensar. Esse teste, praticamente, não é mais utilizado no Brasil, tá? Você não vai conseguir encontrar, eu desconheço, eu posso tá falando alguma coisa errada aqui, mas eu desconheço a utilização desse teste hoje em dia, porque a gente pode usar métodos alternativos para substituir esse teste e que são métodos mais fáceis de serem feitos, além de serem mais humanos. Então, eu não vou expor o coelho àquela condição, não vou expor o animal àquela condição. E os testes, que são substituídos, então, a gente consegue evitar. É porque assim, é complicado você pensar que é tão fácil trabalhar com animal e não é.

Rebecca: Então há todo um movimento pra tentar se reduzir ao máximo a utilização de animais em testes pra cosméticos, certo? E da onde surgiu esse debate?

Victor:  Eu vou já contextualizar para gente os três Rs que eu acho que daí eu consigo falar um pouco melhor sobre isso, né? Que seria o Reduction, Refinement and Replacement. Então o que seriam os três? Uma ideia que surgiu nos final dos anos 50, junto de dois pesquisadores, que era o seguinte, bom, se a gente está pensando sobre a utilização de pesquisa em um ser humano, por que que a gente não pensa sobre também a pesquisa com animais, né? Por que que a gente não reduz, não substitui ou refina, são os três Rs, né? No caso no Brasil, vai ter o Replacement que vira o S, substituição E aí eles começam essa discussão dentro da ciência e também dentro da própria questão quando vai para um setor de comércio, né? Quando vai para uma indústria, né? No setor industrial. E aí é o seguinte, quando você tem esses três erres (RRR), essa ideia é a seguinte: que você consiga reduzir ao máximo, melhorando cada vez mais a tecnologia que você usa, que você consiga refinar isso ou que você consiga substituir totalmente o uso. E quando eles propõem isso, uma das questões, é, justamente, vertebrado, os animais vertebrados, ou a cefalópodes, que são lula, polvo, enfim, e que você não usa esses animais, mas, por exemplo, você pode usar mosca, você pode larva, você pode usar alguma coisa nesse sentido para ver algum teste de toxicidade e tudo mais. E aí é o seguinte, você tem esses três Rs, eles são a base, o pilar, para gente pensar em tudo, que a gente vai falar hoje em dia. Mesmo dentro dos fármacos, a gente consegue utilizar esses três Rs

Rebecca: Já existem alternativas, né? Estudos para substituir os testes em animais na área de cosméticos?

Victor: Olha, existe, existem muitas alternativas novas. É o seguinte, hoje a gente já consegue chegar em perspectivas de não utilizar animal também, como, por exemplo, a criação de pele 3D, que ainda é muito cara, mas que dependendo do modelo que você usa, você também utiliza algum tipo de insumo que vem da indústria alimentícia, vai fazer o meio de cultura, enfim. Então, você consegue cada vez mais reduzir, só que ao mesmo tempo a gente precisa cada vez mais pensar no investimento, na ciência, pensando a longo prazo, porque a gente chegou num ponto muito melhor que nos anos 80, nos anos 90, os anos 2000, especialmente nos anos 2000

Então, a gente tem que ter cada vez mais investimento em pesquisa para que essas metodologias, elas sejam cada vez mais bem refinadas, para que a gente consiga cada vez mais ir para um ponto de substituição completa, ou, pelo menos, o máximo que a gente conseguir. É um ponto que eu acho que é onde os 3Rs vão te levar, mas a gente ainda precisa caminhar meio que junto. Basicamente, né? Os cosméticos, eles já estão andando nessa perspectiva.

Eu acho importante finalizar isso aqui, falando, bom, as pessoas sempre falam pra mim, ah, meus cosméticos não é tão importante, num sei o que, num sei o que. Aí, eu sempre pergunto, Você tá usando? Você tá comprando? Você tá consumindo? Então, por que que você tá falando isso? Então, de alguma forma, a pessoa, ela coloca isso pra baixo, ela acha que não é importante, mas porque ela já tem um produto seguro. Então, ela pode falar que não tem muito problema, sabe? Sendo que a gente sabe que os testes mesmo, o teste de Draize, veio de um problema que veio, acho que foi um erro que tiveram com o produto pra olho, que deixou várias pessoas cegas. Aí você fez o teste depois disso.

SEGUNDO BLOCO

Fernanda: Dando continuidade, falaremos agora dos testes alternativos. Para isso, convidamos a pesquisadora do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), Ana Carolina. O LNBio está associado à Rede Nacional de Métodos Alternativos, a Renama, criada em 2012. Além dele, outros dois laboratórios fazem parte da Rede, sendo eles o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, Inmetro, e a Fundação Oswaldo Cruz, Fiocruz. O Inmetro, por sua vez, cuida da parte de regulamentação de métodos. Já a Fiocruz é responsável pela implementação dos métodos, enquanto o LNBio é voltado para inovação e criação de novos métodos alternativos.

Rebecca: O LNBio trabalha com culturas 3D de células e tem buscado desenvolver, em parceria com a indústria farmacêutica, modelos de pele com o objetivo de criar alternativas para a testagem de cosméticos em animais, trabalhando também com o uso de microchips. A Ana Carolina explica um pouquinho melhor sobre esses métodos alternativos para a gente!

Carol: Esse sistema de chip, o que que a gente faz? A gente desenvolve, então, desenvolve culturas 3D, esferoides ou organóides, né? Em plaquinhas de petri. Então, a gente tem esses mini órgãos. São culturas tridimensionais que funcionam como mini-órgãos, eles são mini-órgãos, exatamente? Não, mas eles têm papel de mini-órgãos, né? E aí, no chip, a gente tem um projeto agora, inclusive, com uma industria de cosmético, o que a gente faz? A gente tem pocinhos, buraquinhos. Então, você imagina uma plaquinha, aonde eu tenha três buraquinhos nessa plaquinha. Num buraquinho eu coloco um fígado, o fígado é o primeiro sinal de toxicidade, a maior parte dos estudos de toxicidade sistêmica, né? Bom, passei um produto na minha pele, ele foi absorvido e caiu na minha corrente sanguínea, vai pro meu fígado. E se causar algum problema, o primeiro sinal vai aparecer ali no meu fígado. Então, quando a gente faz testes de toxicidade sistêmica, a gente faz no fígado. Eu posso colocar um fígado num buraquinho, no outro buraquinho eu coloco uma pele, por exemplo, né? E eu posso, então, eu tenho esses dois buraquinhos, eles são conectados por sistemas microfluídicos, que a gente chama, né? Na verdade, são canais, e a gente liga isso numa boa. E a gente tem meio de cultura ali. Então, se eu passar um produto em cima da minha pele, que tá num buraquinho ali, né? Esse produto é absorvido pela pele e vai cair no meio de cultura que simula minha circulação, né? Isso vai chegar até o meu fígado. Depois, eu meço a toxicidade nesse meu fígado e vejo se aquele produto foi tóxico ou não.

Bom, isso é uma tecnologia fantástica, na verdade, porque você pode até usar para toxicologia de fármacos. Então, vamos colocar. Então, eu tenho mais um buraquinho ali, eu vou colocar fígado, intestino e coração. Eu tô desenvolvendo um remédio para coração, certo? Eu tomo remédio por via oral. Então, eu vou olhar no meu intestino se esse remédio passou por circulação sanguínea. Depois, eu vou olhar no meu fígado, porque como tudo é mantido uma circulação e você tem uma bomba simulando a circulação sanguínea ali com movimentos, né? De pulsação, para simular mesmo que o produto fique circulante. Então, você absorveu o intestino, chegou. O fígado não foi tóxico ou foi tóxico e chegou no coração, causou um efeito, certo? Então, com isso, você começa a simular sistemas humanos. E por que isso? Você vai conseguir, realmente, provar por A mais B? Bom, por enquanto, você não prova totalmente toda a eficácia, você não tem o ser humano na plaquinha, mas você reduz em muito animais de experimentação. Outro dia eu tava lendo uma reportagem, que o uso de chips para um um tipo de experimento que era feito em um teste que eu não vou lembrar agora, exatamente, qual era, mas assim, reduziu de cento e oitenta animais para seis.

Certo? Então, nós estamos falando aí de uma redução muito drástica no uso de animais, né? Então, o uso desses chips é uma tecnologia que a gente tá trabalhando e a gente tem que tentar desenvolver cada vez mais ensaios, principalmente em ensaios toxicológicos pra gente tentar, realmente, validar essa metodologia e que isso seja utilizado. É barato? Ainda não, mas pode vir a ser, quando todo mundo começa a utilizar, isso se torna barato, né? Então é uma tecnologia muito, muito boa, está no mercado aí, acho que em torno de dez, quinze anos. E tem sido muito utilizado, principalmente para testes toxicológicos, testes de permeação. E na indústria cosmética, a gente está tentando desenvolver uma metodologia agora pra gente validar vários desfechos para, não só toxicológicos, mas vários outros desfechos tanto para produtos tanto de absorção oral, hoje em dia a gente tem os cosméticos que a gente toma, né? Os nutracêuticos e coisas do tipo, quanto para absorção  cutânea

Fernanda: E agora que já conhecemos um pouco mais a tecnologia dos microchips, vamos ouvir sobre o uso de softwares, que também estão auxiliando para a redução do uso de animais em testes.

Carol: É algo mais ou menos assim, você tem bancos de dados, de moléculas, no qual você já consegue saber quais foram… A primeira coisa, hoje em dia, para se tentar reduzir o uso de animais, é tentar mostrar que, bom, se aquele experimento já foi feito, certo? Com a molécula X, você vai tentar pegar de base o que tá recortado na literatura, tá? E aí, hoje em dia, existem ferramentas computacionais – não só bancos de dados – dizendo ‘olha, o experimento foi feito, isso é tóxico, isso não é tóxico’, mas ferramentas que simulam computacionalmente, olhando a parte química da molécula, se aquela molécula pode causar algum tipo de toxicidade. Se aquela molécula, pelo esqueleto químico dela, vou colocar assim, pelo formato dessa molécula, pela composição dessa mólecula, o quanto ela poderia, o quanto ela é parecida com outras moléculas que são tóxicas. Vamos falar assim, bem, bem por cima né? E aí, com isso, bom, essa molécula tem uma uma porcentagem de chance de ser tóxica, porque ela tem esse grupo químico, porque ela tem esse outro grupo químico, porque ela tem esse esqueleto químico, ela tem esse formato, ela tem essa estrutura. Então, existem já softwares com isso.

Isso que se faz, a gente faz uma triagem inicial. Então, você consegue, por exemplo, ah, eu tenho que testar cinquenta mil moléculas, certo? Você já reduz isso pra dez mil?  Aí você faz testes em células e você reduz isso pra quinhentas. Aí você faz outros testes em culturas 3Ds, em outras células, você reduzir isso pra cinco, uma. E aí, essa uma você vai e leva pra todos os testes que já são alternativos e, no final, o que trouxe algum tipo de instabilidade, você pega e coloca no animal.

Então, assim, tá sendo uma cadeia que tá afunilando cada vez mais. Antigamente, você tinha… num era um funil, era um uma uma torre, né? Então, vinha todos os testes eram feitos em todas as instâncias. Hoje em dia, não, hoje em dia você tem um funil. Então, você vai tirando animais que você iria usar, que você não usa, porque você tem outros testes ali, que você pode usar.

Fernanda: Bom, mas essa mudança nos protocolos não ocorre da noite pro dia, não é mesmo?

Carol: O Problema de você falar, vamos parar totalmente de usar animais em experimentação, é que ainda precisa se validar esses métodos, né? Os métodos novos que surgem, eles precisam ser validados, eles precisam ser uniformes. Então, o uso de células, o uso de culturas 3D, o uso dessas metodologias alternativas, elas podem variar muito de laboratório pro laboratório. E aí, se você varia muito, você não consegue uma padronização e você não consegue falar, não, olha, isso aqui funciona, eu testei meu produto, meu produto não é tóxico, né? Porque a grande preocupação, principalmente, com produtos cosméticos, é com relação a toxicidade.

A segurança do produto, né? Na década de sessenta, por volta de sessenta, pouquinho antes, a gente teve dois grandes causos com relação a segurança de produtos e um deles era um produto cosmético, era um rímel que foi desenvolvido, esse rímel acabou deixando mulheres cegas. Então, assim, a gente precisa tomar muito cuidado com a segurança dos produtos e essa é a grande preocupação da Anvisa para regulamentar qualquer produto novo. Então, se você não tem os métodos muito bem validados, muito bem padronizados e que eles realmente funcionem e registrem o que a gente realmente, com relação a seguranças de um produto, é difícil você ainda cortar totalmente o uso de animais

A gente tem outro problema também relacionado à extinção total do uso de animais, é que, por exemplo, existem alguns testes que já têm as metodologias alternativas, um deles é o teste de irritação ocular, que seria alternativo ao uso de coelhos em experimentação. O problema é que o teste validado usa um kit de epitélio, e esse kit ele tem viabilidade de sete dias e aqui no Brasil, agora, existe uma indústria, uma empresa,que está produzindo, mas a viabilidade desse produto é sete dias. Então, a gente ainda tem problemas de logística. Antigamente, isso era somente importado. Então, era inviável você importar uma pele que está sendo produzida, uma epiderme que é produzida, e isso chegar aqui ser liberado e chegar em menos de sete dias para que você consiga fazer o teste. Isso traz um, além de encarecer, né? Isso traz um problema de logística grande e, geralmente, quando se tentava comprar esse material, a gente tinha, a gente recebia esse material inviável. Então, assim, era um prejuízo muito grande. Hoje em dia a gente já tem uma alternativas que ainda tá se formando, mas existe uma luz no fim do túnel, né?

Fernanda: Afinal, utilizar animais para testes é mais barato que o uso de testes alternativos?

Carol: A maior parte das empresas grandes, elas tão tentando fugir dos testes animais. É caro você manter animal, não é barato, é trabalhoso, porque você tem que ter lá uma biotério, você tem que manter o animal, não é barato, você tem que cuidar desse animal, depois você vai usar esses animais em alguma em alguma experimentação, aí você tem que sacrificar esses animais. Então, assim, não é uma coisa muito simples de ser feita. É muito mais fácil você ter um laboratório de cultura de células e você usar métodos alternativos, né? O problema é ainda, nós estamos caminhando pra isso. Só pra lembrar que a gente não faz testes em animais, em coelhos aqui no LNBio, tá?

Fernanda: E agora retomando aí as questões levantadas pelo curta metragem “Save Ralph” houve uma pressão junto ao governo federal para a regularização das leis brasileiras, não é mesmo?

Carol: Eu não diria uma pressão ao governo nacional, mas sim uma pressão mundial. Porque, realmente, por exemplo, a China ainda exige que seja feito testes em animais. Aqui no país, a gente tem tido diretrizes cada vez melhores, mais fortes, para que se evite o uso de animais.

Só pra ter uma ideia, nos últimos anos, depois da criação do Renama, que foi criado em dois mil e onze… em dois mil e dezessete, foram aprovadas vinte e quatro metodologias alternativas de testes em animais, só aqui no Brasil. A questão que vocês falaram de alguns estados, ainda proíbem o uso de animais para experimentação, principalmente pra cosmético, né? Os estados proíbem, São Paulo, Rio de Janeiro acabou de proibir, Distrito Federal, são sete estados no país que proíbem. O que acontece é que a gente é um país federativo e a legislação federal e os órgãos federais ainda aceitam. Os movimentos estão sendo feito, né? Pra se banir o uso de testes em animais, mas na legislação federal isso é aceito. Então, o estado proibir, não, é só mais um movimento de apoio, entendeu? Mas não restringe a aplicação dos experimentos em animais.

No caso do cosmético, o efeito nem é tão exigido. Ah, eu desenvolvi um creme que acaba com as rugas em três dias. Isso é marketing, o efeito nem é tão exigido pras indústrias regulamentadoras, né? O que é necessário? É provar que você não vai causar nenhum mal, porque como é um produto dito por alguns, fútil, né? É um produto simplesmente de bem-estar, é um produto simplesmente de cuidado e não um produto terapêutico, ele não pode, de forma alguma, trazer mal. Então, você precisa provar, por A mais B mais C, mais D que, não, de forma alguma, esse produto vai causar problema, você pode ter, ah, ‘talvez algum componente alérgicos, algum componente da formulação’, mas aí é um número restrito de pessoas, né?

Fernanda: E agora a gente vai ouvir algumas considerações em relação ao avanço das técnicas alternativas

Então, assim, enquanto não se tiver metodologias muito sólidas e muito bem difundidas e muito bem treinadas, para se trocar os testes em animais por alternativas em placas de petri vão ser necessários esses testes, né? Bom, um um exemplo básico é o da córnea de Coelho, hoje em dia a maior parte dos testes já não é feito mais em animais, né? Alguns testes de permeação, que eram feitos, por exemplo, com pele de orelha de porco. Mas não, as empresas não usavam assim, ah, eu vou criar o corpo pra tirar a orelha dele e vou matar o porco, depois, né? Que isso é o maior problema? Você não pode usar o animal e depois deixar ele lá, você causa um dano no animal, você vai deixar ele sofrendo depois. Então, o protocolo é: você usou o animal, você mata o animal depois, né?

Então, assim, para esses estudos de pele de corpo, era feito associações com matadouros, que usam o porco da indústria alimentícia, né? E aí, a pele da orelha do porco era vendida no dia do abate para que fossem feitos esses experimentos de perfusão, de permeabilidade cutânea, né? Hoje em dia já temos alternativas a esse tipo de teste em orelha de porco e já não são mais tão aplicados assim. Então, as coisas têm mudado. É um cenário muito bom, principalmente pra parte cosmética.

Rebecca: A ciência está avançando! Os testes alternativos existem e estão cada vez mais ganhando espaço.

Fernanda: Mas é preciso muito investimento em pesquisa, elaboração de novas leis e apoio à ciência para que esse cenário possa mudar definitivamente.

Rebecca: O episódio de hoje está chegando ao fim e esperamos que tenham gostado de conhecer um pouco mais sobre os testes alternativos para segurança de cosméticos.

Fernanda: Nós agradecemos a presença dos nossos convidados, Ana Carolina Figueira e Victor Infante, e a você, ouvinte, que nos acompanhou até aqui!

Rebecca: Esse episódio foi pensado, escrito e apresentado por mim, Rebecca Crepaldi, e pela Fernanda Capuvilla.

Fernanda: A edição é do Gustavo Campos e as artes de divulgação são da Rafaela Moreira, ambos bolsistas SAE  no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo.

Rebecca: O projeto é supervisionado pela Professora Simone Pallone e tem parceria com a Rádio Unicamp.

Fernanda: Você também pode nos acompanhar nas redes sociais. Estamos no Facebook, (facebook.com/oxigenionoticias – tudo junto e sem acento), no Instagram (@radiooxigenio) e no Twitter (@oxigenio_news).

Rebecca: Obrigada e até a próxima!

 

Curta metragem (inglês):

https://www.youtube.com/watch?v=G393z8s8nFY

Curta metragem (português):

https://www.youtube.com/watch?v=AjdMtLF0Z6w

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